Ponto Jor

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Um tema ainda inesgotável (ou O Inferno Somos Nós)

Daniel Boa Nova

A última São Paulo Fashion Week teve como pano de fundo o tema da sustentabilidade. Na Fórmula 1, a Honda transformou os espaços publicitários de seu novo modelo em vitrine para divulgação das empresas que realizarem doações através deste site. Enquanto que na cerimônia de entrega do Oscar, o documentário de Al Gore sobre a questão climática foi premiado.

O tema está em evidência, não dá pra negar. Mas preocupação verdadeira é fazer da oração uma realidade. E isso passa por mudar radicalmente nossos hábitos de consumo. Você sabe do que falo, é ou não é?

Quando leio, ouço e discuto meio ambiente, uma certeza tenho sempre presente: a de que o planeta Terra pode perfeitamente cuidar de si mesmo. É como disse Jim Dodge, escritor estadunidense, em entrevista ao Estado no último sábado: “Se continuarmos a tratar as outras espécies como produto disponível, vamos cozinhar no nosso ar quente e sufocar no nosso lixo”. O problema maior não é abraçar as árvores e os mico-leões dourados. É parar de enxergar o ser humano como começo e fim da existência, porque uma hora a fonte seca. Daí que as baratas e amebas podem viver sem nós, entende?

Por falar nisso, companheiro Bush vem aí. Já mandou avisar que a amizade mora na garantia de combustível para seus compatriotas em um futuro sem petróleo. Um não, o futuro. Os gringos sabem fazer etanol a partir do milho, mas sua produção doméstica não dará conta da demanda crescente. E, no que diz respeito à produção de álcool, o Brasil é líder. Money é good, imagino.

Bem escreveu Pedro Doria, em trecho aqui reproduzido: “o governo Bush resistiu durante anos à perspectiva de buscar combustíveis alternativos. Por um lado, porque rejeitava a idéia de que o aquecimento global está diretamente vinculado ao crescimento das emissões de carbono na atmosfera. Por outro, porque apostou no fornecimento de petróleo barato vindo de um “Iraque estabilizado”. Deu tudo errado. Com o relatório sobre clima divulgado semanas atrás (e endossado por grandes cientistas) e com o fracasso no Iraque, Bush teve que rever seus conceitos” (OESP, 25.02.07).

Daqui da minha posição, a milhas de distância dos salões fechados e sigilosos, torço para que os auto-proclamados heróis exemplares não percam a chance de exigir contrapartidas responsáveis dos vilões.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Velhas Focas batendo bocas e bolas para bater as botas do Jornalismo Esportivo

Luís Pereira

Excesso de publicidade, jabá, discussões exageradas, fanatismo, parcialidade, abuso do uso de ganchos para segurar telespectadores, barrigas e preconceitos. Onde vai parar o jornalismo esportivo?

Um dos programas de esporte de maior audiência da TV aberta é o Debate Bola, do apresentador Milton Neves. O programa é sensacionalista, cheio de discussões escalafobéticas e, se não me falha a memória, há algum tempo (e isso porque há muito me recuso a assistir a tal letargia jornalística) exibia propagandas de cerveja. Na minha concepção é absolutamente inaceitável um programa esportivo, que deveria estar associado a uma imagem saudável, fazer merchandising de bebida alcoólica.

Uma vez convidado para o programa de televisão Mesa Redonda Futebol Debate, Milton Neves, ao entrar em uma discussão com Roberto Avallone - então âncora do programa -, acusou um integrante da mesa de ser homossexual. O preconceito é inadmissível em qualquer condição em que se faz presente. Como representar o quão sórdido é perante uma política de ética jornalística?

O jornalismo esportivo, mais precisamente de futebol, está cheio de jornalistas partidários fanáticos e inescrupulosos. Assim como os já citados, temos Chico Lang, um corintiano doente que prefere dar barrigadas ao zelar pela qualidade de suas informações. Quantas vezes não o ouvimos falar de furos, que o Corinthians está contratando tal jogador, que vai fazer e acontecer e, no final das contas, nada. Outro que segue a mesma linha é o diretor de teatro Cacá Rosset, que caiu de pára-quedas no jornalismo esportivo e trouxe consigo suas bombas que não passam de traques sem pólvoras, ou seja, sem conteúdo.

A verdade é que esses programas estão ficando cada vez mais parecidos com shows de entretenimento de baixa qualidade, e algumas discussões mais parecidas com brigas de teste de fidelidade. Os protagonistas desse circo em que está se transformando o jornalismo esportivo devem se conscientizar de que os jornais não existem para adoçar a realidade, mas para mostrá-la à opinião pública de um ponto de vista crítico e sensato.

Entretanto, é importante lembrar que, no meio de tantos maus profissionais, ainda existem os bons, que juntos tentam salvar a profissão de jornalista esportivo, respeitando as três categorias em que, grosso modo, pode ser dividida a ética: aristotélica, “por valorizar a harmonia entre a moralidade e a natureza humana”; a de Kant, que traz o “conceito de dever, o ponto central da moralidade”; e, por fim, a do utilitarismo, em que “o objetivo da moral é o de proporcionar o máximo de felicidade ao maior número de pessoas”.

Sinto uma grande satisfação em ouvir a sátira aos merchandisings que faz o jornalista Juca Kfouri, quando pára o seu programa CBN Esporte Clube para anunciar a “Água da Bica” e o “Chá de Cadeira”.

Dessa forma, torço para que os focas do jornalismo esportivo consigam aposentar essa velha guarda que se esqueceu dos princípios da profissão, que enalteçam Armando Nogueira, Kfouri, José Trajano e tantos outros bons exemplos e que, aos poucos, consigam ressuscitar essa vertente do jornalismo que se encontra em estado de putrefação intelectual.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Escritos

Sara Puerta

Às vezes sinto que não sei escrever direito. Principalmente quando o editor-chefe termina de ler meus textos e chega uma enxurrada de sugestões, mas sou persistente. Continuo. Muitos dos que faço nem serão publicados, essencialmente aqueles produzidos na calada da noite.
Aliás, até prefiro que não.

Desde minha primeira experiência com um texto extra “minhas férias foram...” tenho a sensação que escrever me faz melhor. É uma superação das minhas deficiências. Escrevo para minha raiva passar e, assim, tentar ficar mais doce. Para sorte das pessoas à minha volta e do meu estômago.

Escrevendo, fico mais feliz. Os meus erros e os acontecimentos desagradáveis, quando colocados cara a cara comigo, ficam muito mais engraçados e perdem o tom de tragédia. Com certeza vou guardar os escritos e mostrar para os meus filhos: “Não façam como a mamãe fez!”

Tenho um pedaço de mim meio cinza que não pode ficar assim, pois tem um monte de coisas a serem feitas. Escrevendo, ele tornou-se mais colorido.

Alguns textos soam como segredos. Na falta de ter para quem contar, eu escrevo. Às vezes chego em casa mais cedo, louca de vontade de pegar uma caneta e um papel. Sou tímida e escrever me faz falar com mais facilidade.

Apesar das experiências pessoais serem traduzidas em caracteres, prefiro mais escrever dos outros, das outras coisas.
Eu gosto demais de um monte de gente. E eu não consigo demonstrar totalmente. E escrevo sempre sobre essas pessoas. Os resultados são perfis literários divertidíssimos e profundos. Escrever dos chatos é melhor ainda. É uma forma “branca” de vingança.

Existem tantos papéis espalhados pela casa, arquivos de world esquecidos sobre pessoas e fatos que hoje não significam mais nada. Mas, na época, inspiravam. Amor rende muitas palavras. Revolta social e tristeza pessoal também. Escrever é uma ação que dá vazão para qualquer sentimento.
É por isso que, por toda emoção incoberta - ainda que haja muita discussão e filosofia em torno -, levanto a bandeira: “Não existe texto imparcial”. Que atire a primeira pedra aquele que não deixa seu rastro. Aliás, azar daquele que prefere se distanciar das opiniões.

Enfim, escrevo para colocar em ordem minha cabeça confusa, tentar fazer algo de bom e, quem sabe, atingir alguém positivamente. É uma terapia, ousadia, uma ação social e, é claro, tem um pouco de vaidade e prazer!

Ps: Imparcialidade não existe. Ok! Mas buscamos ética e lembramos que tudo sempre, sempre tem dois lados.

PS: Feliz Ano Novo. Agora, dizem por aí, o país começa a funcionar e, então, que funcione de verdade!

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Minha letra não é essa

João Prado

Semana longa. Greve na editora, para tudo! Assembléia com a presença do sindicato. Local: pátio central do edifício número 1088. Motivo: atraso salarial.

Passa segunda, terça e nenhum resultado das negociações entre a diretoria, de um lado, os jornalistas, fotógrafos e editores, do outro. A resposta é: “Não temos ainda uma resposta”, diz o ex-comandante da rota e agora encarregado geral para assuntos gerais. Reação em cadeia: no money, no magazine. O tempo passa...

Quarta-feira. No limite da exaustão de horas em pé, debatendo, brigando, xingando até deus e pondo a fofoca em dia, funcionários da editora profetizam o futuro: “vai ter demissão em massa”, diz um, “isso aqui acabou, tem é que vender”, conta outro. Quando as 18h00 chega uma definição, pela metade: “Já está sendo depositado 40% do salário de janeiro”, diz o encarregado geral para assuntos gerais. Perguntado sobre o restante: “não temos ainda uma data certa para esse pagamento”, completa.

Saio do pátio e vou direto para a redação. A decisão, votada, foi de que voltaríamos ao trabalho. Eu perdi. A semana passou e hoje já é dia de fechamento. Dois telefonemas, duas notas escritas e fotos providenciadas. O resto do material da coluna já estava pronto, “dormindo” na gaveta. 22h20, fim do trampo. O que vem pela frente? Me preparar para uma entrevista exclusiva que será publicada nas primeiras páginas da revista, agendada para o dia seguinte.

Quinta. Depois de ler documentos, conversar com assessores pelo telefone e ficar até às duas da manhã pesquisando aqui, na internet, saio de casa (às 11h15) rumo ao Brooklin, onde vou encontrar o assessor que me levará até o local da entrevista, em Alphaville. No caminho checo o gravador, as pilhas, e confiro se trouxe o caderno com as minhas anotações.

Na entrada do prédio, sou devidamente registrado por um funcionário através de um cartão magnético e uma foto tirada por uma micro câmera. Entro na sala. O presidente de uma grande companhia brasileira de exportação de software, meu personagem (que prometo soltar a entrevista na íntegra aqui), me recebe bem. Lembra meu avô, seu Macedo, com seus mais de 80 anos. Começo a entrevista perguntado sobre o porquê as empresas brasileiras de software não foram beneficiadas pelo PAC (Programa de Aceleração Econômica), ao contrário do que esperavam representantes do setor.

No mesmo instante que o senhor começava a responder, abri meu caderno para conferir minhas anotações. Mas não eram anotações, eram rabiscos. Não conseguia entender nada. A minha letra não era aquela, afinal, qual era mesmo a minha letra?

Antes que eu descubra ou enrole mais... Bom Carnaval! Para os que ficam e que vão.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Sobre apólogos e apologias

Daniel Consani

Na semana passada, minha reação ao deprimente episódio envolvendo o prefeito da maior cidade do país e um paulistano que manifestou seu posicionamento contrário ao “Projeto Cidade Limpa”, que tenciona banir os outdoors das ruas da metrópole (de botequim, mas ainda assim metrópole), foi expressa através de um apólogo. Antes de fazer qualquer juízo de valor e acusar-me de pretensioso, caro leitor, digo já: por mais que eu me esforce, as linhas machadianas não me abandonam; e o que é pior: nem o discreto perfume do ácido talento do filho de Engenho Novo me encontra!

Hoje, de qualquer maneira, gostaria de trazer à tona algumas lições que devem ser extraídas do lamentável ocorrido.

De cara, é bom dizer que sou a favor do projeto apresentado pelo pefelista. O que, em hipótese alguma, faz com que eu tenha qualquer simpatia pela atitude truculenta, intransigente e tirânica que o prefeito Kassab tomou na semana passada, enquanto inaugurava um posto médico em Pirituba. Dito isso, sinto-me à vontade para, face ao referido apólogo, fazer apologias à briga comprada pelo prefeito que vai direta e inexoravelmente de encontro a interesses comerciais bastante intimidantes.

São Paulo é uma cidade imunda. E agride todo e qualquer sentido humano. Trânsito caótico, avenidas esburacadas, calçadas tomadas por trabalhadores informais, semáforos tomados por ambulantes, praças mal cuidadas (ou bem cuidadas pela iniciativa privada, que se apressam em colocar placas publicitárias nos locais), fios elétricos irresponsavelmente instalados.

Diante disso, chega a ser injustificável, embora compreensível, o velado apoio que boa parte da grande mídia tem dado aos manifestos contra o projeto de lei. Claro que é mais do que natural que, em tempos como esses, os meios de comunicação de massa defendam muito mais os direitos e as bravatas negociais do que as necessidades da população ou do seu público-leitor, mas não podemos deixar de expressar consternação para com o status quo.

Mesmo que seja um passo em meio a muitos que devam ser dados, o “Projeto Cidade Limpa” é algo que caminha rumo a um ideal de limpeza visual muito bem-vindo.

Por essa razão, fiz um apólogo para condenar a truculência e faço agora apologias para salientar a importância de uma cidade visualmente mais limpa, que privilegia o bem-estar comum em detrimento de interesses comerciais.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Efeitos colaterais e xerulaines

Daniel Boa Nova

Não me proponho a falar a respeito da tragédia da semana aqui e agora. Admito a falta de argumentos para escrever algo consistente uma vez que fiquei horrorizado. E, ao mesmo tempo, o filme “Ônibus 174” não me sai da cabeça.

Mas foi algo diferente abrir o Estadão de ontem e encontrar a notícia de que “Cabral quer discutir legalização das drogas”. O governador do Rio, em seminário sobre segurança na Federação do Comércio, afirmou que a repressão às drogas “está matando muita gente no Terceiro Mundo” e que o Brasil deve forçar o ”Primeiro Mundo” a rediscutir a legalização – para quem é assinante do UOL, a notícia e o contexto estão aqui e, no momento, não estou discutindo redução de maioridade penal. O fato é que nunca vi um membro do Executivo brasileiro fazer uma declaração tão afirmativa sobre o tema.

Permita-me dizer algo sobre as drogas: sua dependência é um problema de saúde pública e, como tal, atinge qualquer religião ou classe social. Você não deve prender um adicto, você deve tratá-lo quando um clínico julgar necessário – são vários os níveis de dependência. A proibição da venda de drogas ocasiona a corrupção policial e o comércio clandestino, oferta que supre a demanda tal e qual a lei de Adam Smith. Assim como qualquer empresa compete, no terreno da ilegalidade surge a guerra. Aquela que só é lembrada quando uma bala perdida encontra seu alvo no asfalto.

Alguém de tal hierarquia fazer uma declaração sobre o tema e um veículo de comunicação desse porte abrir espaço indicam, talvez, o retorno ao debate. Algo mais que urgente em tempos de desmoralização do poder público e crescimento do crime organizado.

Daí que foi virar a página do caderno Cidades e dar de cara com a ironia: “PCC fez festa de fim de ano com drogas”. A reportagem era sobre o vídeo que, se você não viu, veja aqui.

(Parêntese: a afirmação do promotor no vídeo está correta: as organizações criminosas não suprem as necessidades do Estado. Resta apenas saber se o Estado as supre).

Não que eu ache bonito, só não me venha com essa de que é coisa do outro mundo. “Adolescentes dançam com garrafas de cerveja na mão”. Qualquer semelhança com uma micareta da FAAP não é mera coincidência. Ou, sei lá, com as baladinhas da galera bonita da tecnera. Uhú, moleque!

A grande verdade é que muitos temem a legalização das drogas por lucrarem com a proibição ou por mascararem com moralismo um pensamento típico de direita, típico de quem acha que merece privilégios e salas VIP, pensamento esse que foi inclusive refletido em alguns comentários no YouTube. O de que quem pode se ab$olve e quem não pode que passe por situações como essa e essa.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Rápidas e rasteiras

Luís Pereira
Amor Eterno
Arqueólogos na Itália descobriram um casal abraçado, enterrado entre 5.000 e 6.000 anos atrás.









Mundo "Pequeno"



Imagem do telescópio Hubble da Nasa mostra um coletivo de galáxias há 450 milhões de anos luz da Terra, na direção da constelação de Centauros.

A gigante elíptica ESO 325-G004 (a mais brilhante da imagem) tem a massa 100 bilhões de vezes maior que a do sol.





Até quando?


12 jogos, 4 empates e 8 derrotas.

Quase 4 anos.

Dói!








Luta contra a estigmatização

Matriculado em junho de 2004 no Instituto Nigeriano de Jornalismo (NIJ, em inglês), Fred Adegboye, que havia sido expulso após ter revelado às autoridades da escola que era soropositivo, conseguiu o seu diploma.

Sua expulsão desencadeou uma onda de protestos de parte da mídia e dos ativistas da Aids, que acabou obrigando o NIJ a reintegrar Adegboye.



segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Fight the power

Sara Puerta

Acendeu mais um cigarro. Olhou de novo pela janela. O ponto de ônibus estava lotado. Pensou sobre sua trajetória. Suas escolhas. E agradeceu a Deus mais uma vez.
Sim. De fato ter estudado a vida inteira e apreciar a observação lhe fez experiente, porém, às vezes triste. Realmente, a ignorância pode ser uma benção, mas ele jamais aceitaria ser um acomodado, conformado, que vive à procura de carinho e atenção dos outros. Seria como ele melhor definiria um "cachorro de apartamento" e isso ele se recusou em ser desde pequeno.

Colocou mais uma vez pra tocar I shall be released da Nina Simone. Gostava da história da cantora. "Caraca! Como ela sofreu! Guerreira!", pensou na história da filha de pastores que tornou-se um dos maiores nomes do jazz.

Logo, lembrou do Martin Luther King, o líder do "I have a dream..." . Era impossível não associá-los. Putz! Aquela época era bem pior! Lembrou em seguida do filme Amistad, que havia visto na semana anterior e conta (guardada as devidas proporções) a abolição da escravidão no s Estados Unidos. Pensou novamente: "Que fase essa!"

No meio da sala do pequeno apartamento na Santa Cecília, lotada de livros, cds de samba, jazz e blues, divagava sobre os negros, suas escolhas, sua participação na ONG e se aceitaria o convite dos colegas de faculdade para ir ao ensaio da escola de samba mais "elitizada" da cidade. "Só vai dar playba!"

Logo, lembrou ele, era o único negro da sua sala, aliás, do corredor. Enfim, na universidade toda deveria ter três ou quatro negros ao todo. E assim como ele, se aventuram em créditos do banco do governo. Todos têm um bom emprego, que os permitem ajudar a família e ainda viver, claro, que sem grandes viagens e consumos excessivos. Mas, também: "Pra que esbanjar?"

Os caras e as minas da faculdade ouvem reggae, samba de raiz, axé e gostam de escolas de samba.
Resolveu ir para quadra - "Tudo coisa de negro!" "Essa raça é admirável e forte." - Sentiu-se orgulhoso.

Chegando lá um samba meio duro e frio era encarnado pelas magrelas de cabelo liso. E os caras? Não sambam, ficam só secando a mulherada. "Mas, tudo bem, essa bateria está o que há...!"

Além dos músicos da escola de samba, só ele de negro! Não..uma briga. Putz! vai também vai mexer com a mulher do outro. Vixi! É o cara da sala. "Ninguém faz nada! Vou separar!"

Ele segura o cara pela camisa e impede que o soco atinja o colega. O segurança chega. Um negão enorme. Coloca nosso amigo da história de lutas pra fora da festa e completa. "Maloqueragem aqui não, negão." Ninguém fez nada pra impedir a expulsão.

*** Eu não presenciei essa história. Mas imagino que acontece muito por aí.
No sábado, um grupo fazia um samba na rua. Um negro freou o carro em cima do farol vermelho. Um cara da roda gritou. "Tá roubando o carro negão???" Foi essa frase que me serviu de inspiração!

Não fique em cima do muro!

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Sobre chuva, trânsito e um pouco de lucidez

João Prado


Em um dia só choveu mais do que era previsto para o mês inteiro, constatou o metereólogo no rádio. Em janeiro, São Paulo ferve com o calor e não existe mesmo escapatória. A chuva desaba, imunda, suja, limpa... A chuva também revela. A cidade que nunca pára, tem que parar. O trânsito, que fluía lentamente como de costume, parou. Fuja! Vire à próxima direita, saia da Marginal, caia na Berrine, faça o contorno e tente a Espraiada... “... hoje choveu na espraiada...”, canta Negra Li. Esqueça. Não há saída. Se a média de trânsito já é de 83 km, o que são 123 de congestionamento?

No banco de passageiro do carro, em meio a algumas folhas de anotações, uma caixa de bombons, cortesia de uma operadora de celular. Abre e come um, dois, três... Estão quase derretidos. Os vidros estão embaçados e o calor continua. Pensa em uma cerveja, geladíssima. Pensa em uma ducha de água fria, em ler um bom livro, sem grandes pretensões, vencendo naturalmente as páginas e as horas. Mas se dá conta de que não sentirá tão cedo uma cerveja em queda livre na sua garganta e que “Dia de paz”, de Henry Miller, só depois que a CET liberar. Há o carro e ele dentro. Percebe que não existe nem a possibilidade de estacionar o automóvel. Sem espaço para uma manobra.

Uma hora e trinta minutos depois, o mesmo lugar. O mesmo lugar! O celular está com a bateria fraca. Ele o liga, mas o aparelho insiste e desliga. Abre a janela e as gotas da chuva, que já ameniza, molham aos poucos o interior do veículo. Não se importa mais. Acaba percebendo que não é má idéia sentir alguns pingos cair na testa, ensebada de suor. Em um raro momento de lucidez perante aquele caos, abre a porta e, pela primeira vez, abandona o seu veículo. Abandona porque não se importa em deixá-lo ali, com a chave no contato, e dar alguns passos sobre o asfalto molhado. Na verdade, se esqueceu de como chegou até aquela avenida sem saída e para onde mesmo a sua “caranga”, como dizem os que por aqui moram, iria levá-lo.

Olhou para uma mulher que estava há alguns carros na frente – ela já o estava fitando há algum tempo. A moça decidiu também sair do seu veículo e caminhou lentamente até ele. Não haveria possibilidade de se conhecerem depois, eram algumas palavras ali ou nada. Ambos com profissões que não dão margem a demonstrações de afeto. Ela é representante de uma multinacional americana estabelecida no México, hotéis e projeções no PowerPoint são algumas das coisas comuns na sua vida. Ele é jornalista. A chuva pára. Outros motoristas também saem de seus automóveis. Não querem abandonar as suas propriedades. A avenida alagada é o motivo.

Com meio metro de distância, entre ela e ele, a iniciativa é dela:

- Quando chove essa cidade enlouquece a gente. Mas existem coisas que enlouquecem mais aqui.
Ele não responde, apenas sorri. Ao certo esquecerá aquele encontro, daqui uma semana ou menos, mas aqueles poucos minutos foram vividos na plenitude.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Conto para um "vagabundo"

Daniel Consani

Quando olhou para o velho e disse que não era supersticioso, Gilberto já havia se convencido por completo de que era aconselhável esquecer que no reveillon do ano anterior tinha usado exatamente as mesmas peças de roupa. O remorso jamais lhe tocou, embora condenasse a hipocrisia em seus atrofiados discursos humanistas sobre ideais e princípios. Era um hipócrita e um demagogo. Mas era honesto na tentativa frustrada de ser honesto, o que já é uma grande coisa. Vestindo uma bermuda jeans e uma camiseta amarela, ele não perdeu a chance de mordiscar a imagem retesada do velho. Aguardou este, que vestia branco de cima a baixo, comentar suas vestes supostamente inapropriadas para o momento e subiu ao púlpito da racionalidade estúpida negando a superstição impressa em cada linha de sua camiseta Hering, em cada face rota de sua bermuda já esbranquiçada.

Mais tarde, na praia, ao pular a sétima das sete ondas, Gilberto morreu. Caiu para frente e afogou, em meio a rolhas de champanhe e rosas vermelhas. Infarto fulminante foi a primeira hipótese levantada, até que o médico legista decretou: Gilberto foi o primeiro homem a morrer de hipocrisia crônica. Desde então, vive-se tempos moribundos. Por sorte.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Shalom, Salam!

Não sei se foi algum tipo de exigência do próprio, só sei que de início achei engraçada a idéia do show de Matisyahu ser no clube A Hebraica. Ainda mais quando, na fila para entrar, um senhor com cara de vereador israelense passou distribuindo cartõezinhos com algum tipo de profecia. Sei lá o que sobre a geração da redenção e não sei quantas leis dos filhos de Noé. Tipo... né?

Eram duas filas, uma para o público em geral e outra para sócios do clube e uma tipologia humana bem variada. De crianças a casais de mais idade, mas tudo com cara de bem nascido. E, lá dentro, a certeza: mais do que em um show, eu estava em uma festa da comunidade judaica.

A banda de abertura mandava até que bem, um ska cujo refrão era em algum idioma desconhecido para mim – hebraico, imagino -, mas que levou a galerinha do clube ao delírio. Nada contra: com cerveja gelada a preço justo e uma boa visão do palco, não tem do que reclamar.

Aliás, a produção do evento merece um comentário à parte. Organização é a palavra. Tirando o que já falei, não vi uma encrenca e o espaço comportou muito bem as cerca de 4.000 pessoas que compareceram (foi o que li por aí, não sei nem dizer onde). Banheiros ok e uma revista na entrada que incluía detector de metal. O segurança fez até questão de saber o que eram uns papéis que estavam no meu bolso. Creio que desencanou de conferir quando falei que eram minhas contas a pagar.

Já com Matisyahu no palco, a música não para. Pensei que fosse acabar presenciando algum tipo de pregação... não foi o que ocorreu. Uma banda correta; bateria, guitarra, baixo, teclado e percussão, os dois primeiros se sobressaindo aos demais. Apesar da estranheza inicial causada por sua aparência excêntrica para pessoas como eu, a imagem que fica de Matisyahu é a de um cara bastante simples, humilde no último. Interage com o público à sua maneira, sem muito blábláblá, mais na base da vibe. É quando a música acontece que ele mostra a que veio: vocais ragga com uma levada intensa, sem perder o compasso e viajante quando necessário – foi o caso em “Exaltation” e em alguns dubs que eu não manjava. “Youth”, a mais conhecida, foi o ponto alto. E com “Shalom, Salam” ele conseguiu a catarse. Na hora do bis, ainda mandou um beatbox de responsa. Ponto para o cara!

Ouvi comentários de gente que tinha ido por considerar a mensagem dele muito bonita, etc e tal. Não sou do tipo religioso e nunca fui atrás para saber o que canta, apenas entendo uma ou outra coisa de ouvido. Mas tenho na música uma paixão transcendental. E ali, por duas horas, pude me confortar.

Se liga na entrada do figura:

terça-feira, fevereiro 06, 2007

O escorpião e a vida (divagando)

Luís Pereira

Uma talagada no drink e alguns tragos no cigarro: a vida.

Sei que a vida toda fui um pouco avoado. Às vezes até demais. Mesmo consciente disso, sempre gostei de manter a cabeça aberta. Sinto-me bem desbravando horizontes, sonhando com situações impossíveis, fantasiando, deslumbrando.

A imaginação pode ser como a ficção científica, capaz de nos fazer viajar no tempo, ir para outros planetas e mundos, encontrar com seres extraterrestres, conversar com robôs e ressuscitar dinossauros.

Em um dos sonhos mais fascinantes, poderia ter me tornado um astronauta, viajado até a Lua, passado meses em uma estação espacial e ter sido o primeiro homem a pisar em Marte - e, ainda assim, não teria ido tão longe.

Mas em que ponto os pés devem estar no chão, pisando no mesmo chão onde pés suaram e pés sangraram? Em que ponto os pés devem estar pisando no mesmo chão onde pés foram explodidos e mutilados por minas colocadas por homens com os mesmos pés que os pés que ali pisaram?

No ponto em que a “realidade” da sociedade tenta nos domar, nos usar como tijolos na parede de uma construção sem pé nem cabeça, que ninguém sabe onde vai dar e nem como vai ficar – uma verdadeira obra faraônica a Deus dará.

Já criei teorias sobre o ser humano e cheguei a classificá-lo de egoísta, acreditando que a fonte inesgotável da sua existência fosse o próprio ego. Hoje, por vezes me pego a pensar que, com essa teoria, superestimei a raça, lhe atribuí mais inteligência e dei mais crédito a 10% de cérebro. Uma expressão comentada por uma amiga não sai da cabeça: “animal homem”.

Assusta-me a falta de capacidade de percepção dos homens, como notar que somos, de certa forma, todos iguais, filhos do mesmo planeta e que habitamos o mesmo espaço. Entretanto, compreender também que, em outro ponto de vista, somos diferentes – no que diz respeito ao interior, à peculiaridade, aos desejos, gostos e vontades.

No jogo da vida, esse paradoxo nos leva a uma sinuca de bico: somos irmãos, vivemos no mesmo planeta, mas temos diferentes facetas. E, dessa forma, através de contra-sensos criamos impasses, como Deus ou Alá? Socialista ou capitalista? Libertino ou puro? Agitado ou tranqüilo? Noturno ou diurno? Sonhador ou realista?

Na verdade, a nossa escolha pouco importa, porque estamos vivendo dentro de moldes e rótulos que a sociedade insiste em nos impor, mesmo tendo criado muitas de suas certezas a partir de crenças. Perdemos a essência de simplesmente viver, pois não temos a oportunidade de experimentar e saborear uma vida desprovida de regras e valores.

E não a temos por nossa própria incompetência como animais. Animais que, livres ou conduzidos por leis, são incapazes de respeitar e amar o próximo.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Intercedam por eles

Deu domingo no Estado de S .Paulo: “Chineses buscam noivos para os filhos” (caderno Internacional; 04/02/07)

Da época dos casamentos arranjados pelos pais com envolvimento de “dote” (leia-se $$$$) -que não faz muito tempo- até a revolução dos relacionamentos virtuais pela internet, a propaganda é a alma do negócio, ou melhor, do namoro, casamento.

Não. Isso não é um texto de comportamento sobre “Como conquistar alguém” ou ainda, “Seja confiante e vença no amor”. Eu me recusaria a usar esse espaço para auto-ajuda e dar conselhos, ainda mais porque essas coisas só servem para deixar as pessoas mais egocêntricas e quem sou eu pra falar disso.
Bom. Mas, isso é uma teoria minha e que um dia eu conto o fato que me levou a pensar assim, e desde então, me livrar do lema “ Ame-se a si mesmo”.

A questão é que o artigo do Estado me chamou a atenção, porque os pais dos chineses (e chinesas também) de trinta e poucos anos vão aos domingos em um dos parques mais famosos de Pequim (como um Ibirapuera), com uma caixa de sapato com informações e fotos dos filhos, com a intenção de mostrar o quanto interessante e atrativos eles são.

Alguns são mais independentes e se aventuram sozinhos na busca por companhia. Já os chineses que não vão se exibir de corpo presente com cara e coragem, não o fazem, porque falta tempo, trabalham e estudam demais. Assim, os pais preocupados de verem seus filhos encalhados, procuram genros e noras à altura da suas crias.

Claro que algumas características têm que ser “camufladas”. Como o caso do pai que não conta sobre o mestrado da filha na Universidade da Califórnia, pois a maioria dos homens ali não aceitaria uma mulher com tanta formação. Ou históricos de internação em sanatório, prisão, uso de drogas, também não são bem aceitos. Devem ser omitidos.

Pra mim fica aqui a impressão do quanto os tempos modernos, do excesso de trabalho e da intensa busca pela praticidade, afetaram as relações humanas. Lógico que mandar o pai buscar é mais fácil.
Não dá para generalizar e ser fatalista em acreditar que será assim daqui pra frente, mas é estranho.
Imagine um pai trazer para a filha de presente um marido
“- Filha, olha o que trouxe pra você!”
Ou ainda, os rótulos colocados nas pessoas para torná-las interessantes “- Essa é minha filha. Ela tem 30 anos e é professora. Sabe lavar e passar também. É muito honesta e sensível. Quer casar com ela?”

E para mim, que considero auto-apresentações algo extremamente chato e difícil, não consigo entender esse mecanismo de promoção.
Eu realmente não consigo fazer isso e das vezes que me descrevi tive a sensação que não fui 100% honesta, pois eu não quis assustar os novos colegas de classe ou meu chefe. Vejo eufemismos demais nas descrições, e acredito que elas rendem longas análises antropológicas, psicológicas (senão psiquiátricas). Pois, pode ter certeza que ela varia conforme as motivações. E, acredito eu, que o ser humano se revela nas horas difíceis, quando lhe é necessitado verdade e força. Como já dizia Maquiavel: quer conhecer o caráter de uma pessoa? Deixe que ele ache que tenha poder, que sinta-se importante!

- Oi! Eu sou a Sara. Sou chata pra c****!

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Entrevista: Silvio Meira – Uma pergunta para várias respostas.

João Prado

Há mais de uma década vivemos com a internet. Nesse tempo, parece que ela nunca esteve tão perto e ao mesmo tempo tão longe do alcance dos brasileiros. Somos não em proporção – número de pessoas que vivem no país e que estão conectadas -, mas estamos sim entre as comunidades virtuais do mundo que mais acessam e se interessam pelas novidades da rede, como YouTube, Orkut, Myspace, blogs, fotologs, e por ai vai.

Problema: pesquisa publicada pelo Comitê Gestor da Internet, no final de 2006, (pesquisa séria, pra valer!), estima que 54 % dos brasileiros (leia-se: mais da metade pobre do país), nunca tiveram qualquer contato com um computador. São na maioria jovens, longe do mundo livre/sa e conectado, que ficam privados do que poderia ser o espaço que eles nunca tiveram. Digo com a firmeza de quem não é especialista e opina sobre tudo: A internet pode SIM dar mais do que acesso digital. Pode ser uma importante ferramenta para a transformação pessoal dos jovens periféricos, como auxílio na educação de quem nunca teve acesso a uma biblioteca ou uma universidade.

No rastro desse problema, e da minha parte, sabendo apenas perguntar, fui atrás de Silvio Meira, cientista chefe do centro de estudos e sistemas avançados do Recife (CESAR), além de especialista em internet e caos da informação, para conseguir respostas que atendam a questão da inclusão, seja digital ou social, tanto faz.

Foram cerca de 30 ligações, e muitas risadas com a secretária do homem – “Olá, quem ta falando é Silvio Meira. Estou em uma puta festa e não atendo de jeito nenhum... (som eletrônico de fundo)”.

O resultado é pouco, mas é esse ai:

Qual o caminho para a inclusão digital no Brasil?

(respira como quem dá tempo pra pensar)... Políticas públicas. Países pobres precisam de políticas públicas. Essa é a boa notícia! A boa notícia também é que países ricos também precisam de políticas públicas. Se você olhar as políticas públicas de países como a Suécia, você irá ver que a prefeitura de Estocolmo, que é uma das cidades mais ricas do mundo, descobriu que se ela deixasse a inclusão digital por conta das operadoras de telefonia, mais de 50% das casas não teriam internet com banda larga, que é o segredo de tudo. A prefeitura resolveu que todas as casas teriam que ter internet com banda larga, por que ela é essencial para a educação e mais um bocado de coisas. Então, se a Suécia tem necessidade de políticas públicas, você imagina no Brasil, com a nossa extensão territorial?

A criação de espaços públicos, bem conectados, que sejam absorvidos pelas populações mais carentes, e que esses espaços sejam propriedades das pessoas, administradas coletivamente, é absolutamente fundamental para se ter um processo de inclusão digital em qualquer país. Por aqui, a quantidade de pessoas que podem ter um computador com banda larga está começando a bater no teto. Estamos perigosamente chegando a um ponto, que não evoluiremos mais nesse sentido. O importante é junto com a inclusão digital, a inclusão econômica. Caso contrário, nós não vamos muito longe não.

Temos que atacar o problema, como uma ação que combata uma epidemia. Não da é para ficar brincando de inclusão, com os ministérios do governo fazendo um pouco, o senado outro pouco. Tem que haver um verdadeiro ataque sincronizado, com plano a curto e a longo prazo.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Dois cânceres: patriotismo e macartismo

Daniel Consani

Comigo, acontece uma ou duas vezes no ano. De um filme me arrebatar.

Aconteceu no último domingo.

Havia quase um ano que queria assistir a “Boa Noite e Boa Sorte”, filme dirigido por George Clooney, sobre a batalha entre o jornalista americano Edward Murrow e o senador Joseph McCarthy, o homem que promoveu a caça às bruxas a comunistas residentes nos EUA, na década de 1950.

Como não sou crítico de cinema, tudo o que posso dizer é que achei o filme excelente. Como sustento essa opinião? Nesse caso, é muito fácil. Basta ter contato com um dos discursos proferidos por Murrow durante a película, enquanto apresentava o programa “See it now”, na rede CBS.

“Ninguém familiarizado com a história desse país pode negar que as comissões parlamentares sejam úteis. É necessário investigar antes de legislar. Mas a linha entre a investigação e a condenação é muito tênue, e o Senador Júnior de Wisconsin a ultrapassou por diversas vezes. Seu primeiro feito foi confundir o público com relação às ameaças internas e externas do comunismo. Não podemos confundir discordância com deslealdade. Precisamos sempre lembrar que, acusação não é prova, e que condenação depende de evidências e de um processo legal. Nós não sentiremos medo, e não seremos guiados rumo a uma era de irracionalidade. Se pensarmos a fundo em nosso passado, veremos que não descendemos de homens temerosos. Não descendemos de homens que temiam escrever, falar e defender causas que, por um momento, pareciam impopulares. Para os homens que se opõe aos métodos do Senador McCarthy, esse não é o momento para silenciar. Nós podemos negar nossos antepassados, mas não podemos escapar à responsabilidade pelo resultado. Não há como um cidadão republicano escapar a essas responsabilidades. Nós nos proclamamos, e somos, os defensores da liberdade onde quer que ela ainda exista no mundo. Mas não podemos defender a liberdade ao redor do globo, se não a cultivarmos em casa. As ações do Senador Júnior de Wisconsin causaram alarme e desânimo entre nossos aliados internacionais e deram relativo conforto para os nossos inimigos. De quem é a culpa por isso? Não tão somente dele. Ele não criou essa situação de medo, ele apenas a explorou. E com sucesso. Cássio estava certo, a culpa, caro Brutus, não está em nossas estrelas, mas em nós mesmos. Boa noite e boa sorte”.

Mas o que eu realmente gostaria de ressaltar é que um dos pontos principais do filme reside na possibilidade de uma autoridade (seja ela quem for) suprimir determinados direitos civis justamente com o suposto intuito de defendê-los. Um exemplo óbvio e atual reside na conduta do Governo Bush em “disseminar” valores democráticos e liberais através da imposição, da virulência, da ignorância. Da mesma forma, McCarthy buscava consolidar os valores capitalistas, democráticos e liberais através da busca a pessoas, cujas famílias supostamente estiveram relacionadas ao comunismo.

A convergência maior entre os dois discursos reside no patriotismo evocado tanto por McCarthy quanto por Bush. Em linhas gerais, seria algo assim: o futuro do país depende de tais ações, e quem não concorda com os ideais propostos é inimigo da nação.

Pode parecer patético (e o é), mas trata-se de algo tão presente no cenário atual quanto o aquecimento global. A base de tal convicção é tão míope quanto limitada. Simples: por mais que esses ultraconservadores (bem como os ultraliberais) gostem de enxergar tudo e todos com um maniqueísmo asqueroso, a oposição feita por Murrow na década de 50 e a oposição feita a Bush nos tempos atuais não apresentam conflitos no conteúdo, mas na forma. Ou seja, o jornalista, claro, não era contra os valores capitalistas, democráticos e liberais defendidos pelo senador, mas ia de encontro à forma de atuar deste último. Nessa mesma esteira, quem critica os atos de George W. Bush, não é necessariamente contra os valores fundamentais americanos, mas, entre muitas outras coisas, contra o genocídio no Iraque, por exemplo.

Aqui, fica absolutamente impossível não citar o inglês Samuel Johnson, escritor ímpar que viveu no século XVIII: “Patriotism is the last refuge of the scoundrel”. Algo como: “Patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

O que você acha?