Ponto Jor

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Fight the power

Sara Puerta

Acendeu mais um cigarro. Olhou de novo pela janela. O ponto de ônibus estava lotado. Pensou sobre sua trajetória. Suas escolhas. E agradeceu a Deus mais uma vez.
Sim. De fato ter estudado a vida inteira e apreciar a observação lhe fez experiente, porém, às vezes triste. Realmente, a ignorância pode ser uma benção, mas ele jamais aceitaria ser um acomodado, conformado, que vive à procura de carinho e atenção dos outros. Seria como ele melhor definiria um "cachorro de apartamento" e isso ele se recusou em ser desde pequeno.

Colocou mais uma vez pra tocar I shall be released da Nina Simone. Gostava da história da cantora. "Caraca! Como ela sofreu! Guerreira!", pensou na história da filha de pastores que tornou-se um dos maiores nomes do jazz.

Logo, lembrou do Martin Luther King, o líder do "I have a dream..." . Era impossível não associá-los. Putz! Aquela época era bem pior! Lembrou em seguida do filme Amistad, que havia visto na semana anterior e conta (guardada as devidas proporções) a abolição da escravidão no s Estados Unidos. Pensou novamente: "Que fase essa!"

No meio da sala do pequeno apartamento na Santa Cecília, lotada de livros, cds de samba, jazz e blues, divagava sobre os negros, suas escolhas, sua participação na ONG e se aceitaria o convite dos colegas de faculdade para ir ao ensaio da escola de samba mais "elitizada" da cidade. "Só vai dar playba!"

Logo, lembrou ele, era o único negro da sua sala, aliás, do corredor. Enfim, na universidade toda deveria ter três ou quatro negros ao todo. E assim como ele, se aventuram em créditos do banco do governo. Todos têm um bom emprego, que os permitem ajudar a família e ainda viver, claro, que sem grandes viagens e consumos excessivos. Mas, também: "Pra que esbanjar?"

Os caras e as minas da faculdade ouvem reggae, samba de raiz, axé e gostam de escolas de samba.
Resolveu ir para quadra - "Tudo coisa de negro!" "Essa raça é admirável e forte." - Sentiu-se orgulhoso.

Chegando lá um samba meio duro e frio era encarnado pelas magrelas de cabelo liso. E os caras? Não sambam, ficam só secando a mulherada. "Mas, tudo bem, essa bateria está o que há...!"

Além dos músicos da escola de samba, só ele de negro! Não..uma briga. Putz! vai também vai mexer com a mulher do outro. Vixi! É o cara da sala. "Ninguém faz nada! Vou separar!"

Ele segura o cara pela camisa e impede que o soco atinja o colega. O segurança chega. Um negão enorme. Coloca nosso amigo da história de lutas pra fora da festa e completa. "Maloqueragem aqui não, negão." Ninguém fez nada pra impedir a expulsão.

*** Eu não presenciei essa história. Mas imagino que acontece muito por aí.
No sábado, um grupo fazia um samba na rua. Um negro freou o carro em cima do farol vermelho. Um cara da roda gritou. "Tá roubando o carro negão???" Foi essa frase que me serviu de inspiração!

Não fique em cima do muro!

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Belo texto... essas coisas ainda acontecem muito ainda... existem coisas intrísecas na sociedade... às vezes nem é consciente, mas acontece muito.
Namoro um cara negro e sem como é. Temos que conviver com situações desse tipo, posso citar um exemplo: ele me esperava usar o banheiro de uma galeria em Ilhabela (terra de ricos, maioria brancos), quando um dos ricaços que frenqüentam o lugar o viu, deu um pulo para trás... como se fosse ser assaltado...
Provavelmente ele não raciocinou pra ter essa reação... essas coisas estão cravadas em muitas pessoas ainda...

14:01  

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