Ponto Jor

quarta-feira, outubro 31, 2007

Nação Afromanguebit

Daniel Boa Nova

Esse é o alvorecer de tudo que se quer ver
Sem fazer sombra na melhor hora do sol

Já não é de hoje que a Nação Zumbi atingiu um nível de excelência que a permite tomar os rumos que desejar. Liberdade artística, por assim dizer, que se reflete nos vários projetos em que seus integrantes embarcaram nos últimos anos: Los Sebozos Postizos, Orquestra Manguefônica, Maquinado, Pra Mateus Dançar, Brasilintime, algumas trilhas sonoras e por aí vamos embora.

Apesar de não serem das que mais vende, seus shows têm sempre casa cheia. E, mesmo quem não gosta da Nação, não chega a desgostar. Não à toa, a banda mudou da Trama para a DeckDisc – segundo os próprios, foi uma proposta irrecusável.

O primeiro lançamento na nova casa é Fome de Tudo, que antes de chegar às lojas já estava na internet. Talvez não seja demais afirmar que, desta feita, a Nação Zumbi cometeu sua obra-prima.

Fome de Tudo é o último capítulo de uma trilogia iniciada com Nação Zumbi (2002) e que passou por Futura (2005). Fase essa em que a banda descobriu seu real caminho e aprofundou até a essência as diversas influências que já vinham desde a época de Chico Science. Foi com esses três trabalhos que a Nação adquiriu status próprio, uma vida além do falecido gênio fundador. Daqui pra frente, sabe lá onde vão parar.

Redundância à parte, a produção de Mario Caldato Jr está impecável. Ouvir Fome de Tudo com fones é uma experiência surpreendente, com novas descobertas a cada momento.

A melodia do vocal e a levada da percussão em Onde Tenho que Ir. O tempo quebradiço da bateria em Carnaval. O baixo, menos percebido do que sentido, no ótimo refrão de A Culpa. As texturas psicodélicas da guitarra em Assustado. Os músicos, creio, dispensam apresentação.

Inferno, com a participação (discreta) da cantora Céu, tem uma atmosfera sombria e um solo de guitarra poderoso. Experimente ouvi-la em uma estrada, na madruga. Um rolê na marginal também serve.

Sabe aquela faixa que quando acaba você coloca de novo e de novo e de novo? Que você não sabe explicar o por que, mas te conquista de uma maneira que nenhuma outra consegue? Assim como em Futura, ela existe e foi deixada para o final. No Olimpo, lá de longe, remete a Computadores Fazem Arte. Uma melodia linda, uma letra filosófica - aqui Jorge DuPeixe fez um ótimo trabalho.

Apesar de ser possível encontrar Fome de Tudo na internet, vale a pena comprar o cd porque a arte ficou especial. Digamos que seria uma última caridade por esse formato que já é relíquia. Se não for o caso, o show será em breve.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Mídia, mas quanta falta de assunto!

João Prado

Escrevo no limite das forças. Semana foda. Matéria de capa (primeira) e um monte de pautas para cobrir antes de sair de férias... a primeira depois de quatro anos. Pensei em escrever sobre multinacionais na mira da justiça. Pensei em escrever sobre a pirataria, instigado pelas declarações do SUPERprefeito Andrea Matarazzo, que afirmou que "pirataria é questão policial e não social". Pensei também em não escrever nada. Peidei, como diria o Lobão.

Tudo mudou. Pelo menos neste espaço de sexta-feira no PontoJor, quando encarei na página do Repórteres Sem Fronteiras, o último ranking sobre a liberdade de imprensa no mundo. Resumo: O Brasil está em 84º lugar. Estávamos em 66º no ano passado. Ficamos atrás de Trinidad e Tobago (19º), Jamaica (27º), Gana (29º), Israel (44º), Nicarágua (47º), EUA (48º), Mauritânia (50º), Mali (52º), Equador (56º), Bolívia (68º), Mongólia (74º) e Haiti (75º). A lista se encerra com a China (163º), Myanmar (164º), Cuba (165º), Irã (166º), Turcomenistão (167º), Coréia do Norte (168º) e Eritréia (169º).

Não sei qual foi a "metodologia" usada pela organização e nem se o ranking responde questões fundamentais, como em qual situação guerra-política aquele determinado país se encontra e o quanto isso influencia ou não.

Só sei de uma coisa: mídia independente se faz com profissionais independentes. Que seja com um repórter que se desvia das minas terrestres de um país africano ou na "santa paz carnavalesca do Brasil".

quinta-feira, outubro 25, 2007

A Mostra

Daniel Consani

A 31ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo está bombada. Como nunca esteve, é bom que se diga. Dentre as muitas razões para esse sucesso de público, destaco a ótima seleção de filmes feita por Leon Cakoff e sua equipe. Ótima seleção por dois motivos: primeiro, filmes mais comerciais, mais acessíveis ao grande público; segundo, filmes mais comerciais, mais acessíveis ao grande público.

Pois é. Para o público fiel do maior evento cinematográfico do país, a programação traz muitos filmes “arroz-de-festa” que devem estrear nas próximas semanas no circuito comercial brasileiro. Para o público acostumado a cinemas de shoppings centers e pipocas monstruosas (e oleosas), trata-se de uma ótima oportunidade para assistir bons títulos, de diretores conceituados (como De Palma e Cronemberg, por exemplo).

Eu, que pertenço aos dois grupos (um indeciso por natureza), tive a oportunidade de assistir a três filmes da Mostra, por enquanto (pretendo ver mais três até o fim do evento). São eles: “Em Busca da Vida”, de Jia Zhang-Ke, “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto”, de Sidney Lumet, e “Control”, de Anton Corbjin.

O primeiro é chinês e mostra com uma candura bruta de um diamante recém-encontrado as transformações vividas pelo povo chinês em tempos como esses em que vivemos. Belíssimo.

“Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto” é ótimo. Com um roteiro inteligente e instigante (e uma montagem que é um clássico instantâneo), a obra nos leva a uma viagem dura, mas agradável.

Já “Control” é uma bela cinebiografia de Ian Curtis, líder da banda Joy Division. Cada plano do filme parece saído de horas de planejamento, graças a uma fotografia melancólica e uma direção de arte complexa e inteligente. Mas é no roteiro que a fragilidade do trabalho de estréia de Corbjin no cinema reside: sua superficialidade não nos deixa compreender as crises vividas por Curtis. Pena. Mas vale muito a pena.

Semana que vem tem mais.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Toda família tem o seu Rafael Pilha

Daniel Boa Nova

Viu essa pesquisa da GV?

E aí, quantos capitães precisam nascer e ser recrutados para que você pare? Ou será que não precisamos de mais heróis e sim de menos hipocrisia?

Mais triste que conviver com um viciado é lidar com a ausência que a violência ocasiona e sei que os dois lados não são de uma moeda só. A guerra atinge apenas alguns muitos que não somos nós. Problema nosso é não ter canal. Problema nosso é manter a vibe goxtosa. E eu aposto que não são poucos os policiais que preferem um trabalho comunitário e preventivo do que não saber se voltam para casa no fim do expediente.

Sejamos francos para admitir a parte que nos cabe, começando pelo interior de nossos lares. Talvez isso custe o bom andamento de um almoço em família, mas não somos nós os privilegiados baluartes da civilização? Levante a discussão, despolemize com argumentos, use da informação pra abater o tabu. Ou quer apenas ser elite e tratar a tropa como ficção?

Uma nova Lei Áurea é necessária e é para ontem. Pelo fim do tráfico e da violência que ele gera, sou a favor da legalização de todas as drogas. Ainda não conheço uma análise dos fatos que me faça abandonar essa idéia.
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Pesquisa publicada pelo Iets e que saiu na coluna de Sonia Racy no Estadão da última segunda-feira indica que 47% dos brasileiros não acham que os criminosos devam ter os mesmos direitos das demais pessoas.

Solução é meter bala, cara pálida?
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Falando de quem vive sob um forro, uma criança não testemunha o que não deixam ela ver. Mas em algum momento, necessariamente, ela sairá da redoma. Se optar por um caminho vicioso, é o caso de abafar o fato?

Outro dia um colega faltou no trabalho. Seu irmão mais velho e adicto sumira da casa dos pais e coube ao caçula ir atrás do elemento.

É óbvio que o ideal seria que o cara não estivesse nessa, mas ter que entrar em terreno proibido para aliviar sua doença só aumenta o risco-tragédia. Não sei o que os pais pensam sobre a legalização. A polícia eu sei que não foi chamada.

terça-feira, outubro 23, 2007

Meu primeiro roteiro (mini roteiro)

Luís Pereira

Bom, como prometido, posto aqui o roteiro que fiz para o meu curso de pós-graduação. Sei que está na moda produções cinematográficas sobre favela, mas eu estava sem idéia mesmo. Inspirado em um dos textos que rolou aqui no PontoJor e baseado na real história de Edna Ezequiel. Segue:

A LÁGRIMA CLARA SOBRE A PELE ESCURA

EXT. MORRO DOS MACADOS, RJ - DIA

Abrimos com uma vista aérea do Morro dos Macacos,
localizado em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. A câmera,
postada em um helicóptero, mostra um panorama geral do
morro.

A voz de Edna, em off, fala a seguinte frase, enquanto a
câmera do helicóptero ainda mostra o panorama geral do
morro: "quem mora no morro não tem sonho".

Fade out na imagem do helicóptero e começa a tocar um
samba bem triste, com o tema sonho. Um segundo com a tela
escura e abre um Fade in com imagens do cotidiano do Morro
dos Macacos: pessoal bem pobre e humilde saindo para
trabalhar, crianças indo para a escola pública,
quitandinhas pobres, bares com pessoas viradas da noite
passada, o movimento dos traficantes e dos bandidos ...
Tudo isso enquanto o samba triste faz a trilha sonora.

Até que determinada cena do cotidiano dos traficantes
começa a se transformar numa ação, em que os policiais
começam a subir no morro e os traficantes começam a se
preparar para um combate. Lentamente o samba vai
diminuindo o volume, enquanto sons de fogos e tiros
começam a tomar a cena.

Inicia-se uma troca de tiros entre policiais e
traficantes. Alguns deles têm olhos ardentes de fúria,
outros olhares de pânico. Moradores do morro tentam
escapar da linha de fogo, escondendo-se como podem,
correndo para dentro de barracos, pulando muros, entrando
em bares.

Começa uma montagem paralela com música de suspense:

Uma imagem mostra uma menininha com a feição bem
preocupada e apertando o passo. A outra mostra o tiroteio
no morro.

A câmera, filmando os pés da menininha, mostra o passo
ficando cada vez mais rápido, enquanto o tiroteio fica
mais explosivo, mostrando traficantes e policiais sendo
baleados.

Até que uma imagem dos pés parados da menininha é
congelada ao mesmo tempo que se ouve um tiro bem forte e
alto. Corta a cena.

INT. BARRACO DE EDNA - DIA

Imagens em still mais uma narração constroem o personagem
Edna e sua família.

Essa é Edna, mulher pobre, que vive no Morro dos Macacos
no Rio de Janeiro. - imagem mostra Edna, uma mulher negra
vestida com roupas coloridas, dentro do seu barraco -

Edna é mãe solteira de cinco filhos: Carlos, de 15 anos;
Alana, de 12; Michael, de 10; Maria, de 6; e Alice, de 2
anos. - A cada filho apresentado, suas imagens vão
aparecendo em still. O rosto de Edna e seus filhos estão
sempre tristes. -

Mostrando todos juntos, a narração diz: Edna, assim como
milhões de brasileiros que vivem em condições precárias,
não tem motivos para sonhar.

Corta a cena.


EXT. MORRO DOS MACACOS - DIA

Começa a tocar o samba Sonho Meu, de Paulinho Moska.

Imagem das filhas de Edna, Alana e Maria, saindo do
barraco e caminhando pelo morro. Elas estão tranquilas e
caminham a vontade. Cenas alternam em mostrar as vielas do
morro, os rostos das meninas e seus pés caminhando.

Alana e Maria chegam na nova creche da comunidade. Alana
deixa Maria com a professora e se despede.

Cenas de Alana caminhando de volta para casa, enquanto o
volume da música começa a diminuir lentamente e se
transformar numa música de tensão.

Voltamos para a cena de ação do primeiro ato, em que
inicia-se uma troca de tiros entre policiais e
traficantes.

Entramos novamente na montagem paralela com música de
suspense:

Uma imagem mostra Alana com a feição bem preocupada e
apertando o passo. A outra mostra o tiroteio no morro.

A câmera, filmando os pés de Alana, mostra o passo ficando
cada vez mais rápido, enquanto o tiroteio fica mais
explosivo, mostrando traficantes e policiais sendo
baleados.

Até que uma imagem dos pés parados de Alana é congelada ao
mesmo tempo que se ouve um tiro bem forte e alto. Corta a
cena.


EXT. VELÓRIO DE ALANA - DIA

Começa a música Desde que o samba é samba, de Caetano
Veloso.

Enquanto a música toca, uma câmera de cima rodando o
velório dá um panorama geral da situação, Edna, seus
filhos, amigos e familiares chorando em volta do caixão de
Alana.

A câmera fecha no olho de Edna, que escorre lágrimas,
quando na música, pela segunda vez, Caetano canta: ... "a
lágrima clara sobre a pele escura". Fade out.

Sobem créditos.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Blogs do outro lado do mundo e para entender o mundo

Sara Puerta

http://pululu.blogspot.com/ ( angolano)
em portugues

http://www.afghanlord.org/ ( afeganistão)
em inglês

http://newsweek.washingtonpost.com/postglobal
vários jornalistas do mundo

http://metroblogging.com/
700 blogueiros em 50 cidades do mundo
versão Rio de Janeiro: http://riometblogs.com

sexta-feira, outubro 19, 2007

Gaudi não, Estevão!



João Prado
Preto, pobre e favelado. Se Estevão Silva da Conceição passasse por uma multidão e fosse notado por alguém, essa seria uma associação simples de ser feita sobre a sua “imagem”. Afinal, Estevão é preto, pobre e favelado. Mas ele também é pai de Estefani e Enrique e marido de Edilene, além de um artista fodão! Morador de Paraisópolis, favela da zona sul de sp, o baiano de Santo Estevão da Bahia transformou e transforma a sua própria casa em uma galeria a céu aberto.

E ninguém, que eu tenha conhecido, tem mais orgulho de sua própria casa do que o Estevão. Claro, foi ele que fez tudo. Para quem olha de fora, uma construção sem precedente na memória. Arcos salpicados de pedras coloridas e todos os tipos de objetos, como xícaras, telefones, relógios parados no tempo, espelhos e mais uma porção de troços. As estruturas complexas da sua “goma” fizeram com que a classe média e alta, que conhecem o seu trabalho, o chamasse de Gaudí da Favela. “Eu não conhecia o trabalho do Gaudí, até as pessoas que vieram visitar a minha casa fazer essa associação entre a minha obra e a dele. Hoje eu sei que ele foi um grande artista”, conta.

Mas se existe semelhanças entre a obra do artista catalão e a de Estevão, houve um episódio que, no mínimo, prova que as histórias dos dois estão ligadas de alguma forma. Em 2001, em uma viagem para Barcelona, Estevão resolveu descansar depois de uma caminhada pelo Parque Güel. Para espreguiçar o corpo, o artista favelado se encostou em uma árvore de casca estranha e logo foi surpreendido. “Estevão! Quem plantou e cultivou essa árvore foi o Gaudí. Você sabia disso?”, perguntou uma das pessoas que o acompanhava. “Estava cansado e só queria almoçar. Quando fiquei sabendo desabei a chorar”, lembra Estevão.

Eu, que nunca fui até Barcelona, fiquei fascinado mesmo pela casa do Estevão. Dentro, uma série de escadas e pequenos corredores levam a um jardim suspendo. O cheiro de arruda perfuma o ambiente e fecha o corpo de toda a família Silva da Conceição. Quem entra na residência desse artista de 50 anos é inevitável sair de lá com muitas perguntas na cabeça... “Isso aqui é a arte do caos”, dá a dica o fotógrafo e brother Daniel Gutierrez. Quer dizer: o caos da vida na obra do artista ganha exatidão e até certa coerência. Tudo está encaixado de maneira minuciosa e os ponteiros parados dos relógios da “Casa de Pedra” já não são tão estranhos assim.

Sabe de uma coisa: pela primeira vez senti inveja da casa de um preto, pobre e favelado.
OBS: as fotos são de Daniel Gutierrez. Mais? no Flickr dele.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Dias austeros

Daniel Boa Nova

No último primeiro de outubro, a linha 637 H (Barra Funda – Jd Helga) saiu de circulação. Isso sem qualquer aviso prévio, comunicado à população, sem nada.



Daí que, na parte que me toca o calo, passei a ter só uma de duas possibilidades de ônibus pra sair de casa. Legal.

O Pedra Branca – Butantã USP, sim, continua firme e forte. Mas agora é batata: vem sempre cheio. E isso tudo falando de alguém que toma a condução depois do ponto inicial e desce antes do final.

É o que chamo de pioria.
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Foi eu me ver obrigado a só consumir naturebices que caiu a ficha de como esse mercado ainda pode ser explorado. Por produtores e comerciantes. Pequena variedade de produtos, poucos pontos de venda e não é raro ver neles uma confusão conceitual entre os sem conservantes e os diet e light.

É sério. E isso porque são quase antagônicos. Tipo no Pão de Açúcar: está lá uma prateleira especial onde você encontra açúcar mascavo, soja, sal marinho. Nela também estão Diet Shake, adoçante, barrinha de cereal.

Nada contra, só podiam estar separados. Os produtos orgânicos ficam bem lá longe.
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À Prova de Tudo é o reality do momento. Quem já viu sabe. Um ex-soldado britânico nos cenários mais inóspitos do mundo com apenas uma faca, um cantil e uma pederneira. Seu objetivo é sobreviver e encontrar civilização.



Como é filmado não vem muito ao caso. Aliás, já tem gente contestando a realidade da coisa e tal. Mas na hipótese remota de cair na ilha de Lost, ter assistido ao programa pode ajudar.

Para quem ainda não o conhece, tem TV a cabo e adora um domingo no sofá, no próximo vai ter Maratona À Prova de Tudo a partir das duas da tarde no Discovery Channel. É quente.
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Muito suco e a boca amarrada, o cuidado pra não manchar a roupa, aquela coisa. Se você anda meio desgostoso, chupe caju. Vai lá, nego.

terça-feira, outubro 16, 2007

O paradoxo do ano 2000

Luís Pereira





Nas eleições do ano 2000 para a presidência dos EUA estavam na disputa o político republicano George W. Bush e o democrata ambientalista Al Gore. Na ocasião, Al Gore, apesar de ter conseguido cerca de 300 mil votos a mais em todo o país, foi derrotado por George W. Bush, favorecido pelo complexo sistema eleitoral americano e pela decisão final da Suprema Corte, que determinou sua chegada à Casa Branca.

Sete anos depois, podemos dizer que o presidente Bush conquistou uma popularidade um tanto obscura depois de suas famigeradas e agressivas decisões para combater o terrorismo, sendo considerado por muitos, nos quatro cantos do mundo, um verdadeiro anti-cristo, um Hitler do século XXI. Já Al Gore, com o seu ativismo em prol do meio ambiente, sete anos depois acaba de vencer o Prêmio Nobel da Paz.

A onipresença americana nas importantes decições do mundo e as condições díspares com que chegaram esses dois políticos no ano de 2007 me faz pensar: como estaria o mundo hoje se Al Gore tivesse assumido a presidência dos EUA naquela ocasião?

segunda-feira, outubro 15, 2007

Inversão

Sara Puerta

No domingo, ontem, foi publicada uma entrevista com o Lula na Folha de S. Paulo. Entre frases amigáveis para todo os colegas de partido, de chefia de ministério e inimigos da tal ideologia, a finalidade da entrevista parecia ser mostrar o presidente como um “caipirão” festeiro, sem discurso novo, e que acha que o brasileiro não tem “desconfiometro”.

A intenção ficou demonstrada ao baterem na mesma tecla sobre o consumo de uma birita.
A chamada é “Não bebo desde a copa de 74”. Haãm!
Quer saber, eu não ligo se ele bebe, ou não. Tem um monte de gênios que apreciam – até demais – um alcohol...para desinfetar. Mas o título ser esse, acredito que seja para todo mundo dizer. “Ah tá bom!Seu mentiroso”

Tanta coisa para falar, e ele ali se explicando de novo. De resto, diz ele que ao terminar o mandato vai curtir seu terreninho em São Bernardo fazer seu churrasco e fumar cigarrinho de palha. Desnecessário.

Para completar, sem moralismo ou puritanismo com palavrões (aliás, tem vezes que só eles tem a capacidade de explicar uma frase), mas eu duvido que não cortariam até do Maluf a expressão “Eu fico puto”. Essa, com certeza, seria riscada pelo editor, ao menos que ele estivesse editando uma entrevista com o Lobão.

E assim, mais uma vez criaram a caricatura do homem. Seja para convencer da sua extrema simplicidade, beirando a preguiça, ou para mostrar que ele é uma ótima companhia para tomar e cerveja e fazer filosofias de boteco. Longe de um presidente.

Puro veneno! Ele tem mais a oferecer. Aliás, deve oferecer mais.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Quatro

Daniel Consani

Quatro assuntos chamam minha atenção mais do que todos os outros nessa véspera de feriado: a exaltação do novo herói nacional chamado Capitão Nascimento, a vitória de Andrés Sanchez nas eleições presidenciais corintianas, o novo álbum do Radiohead e a tragédia rodoviária em Santa Catarina.

O primeiro é motivo de comoção generalizada. Também pudera: o belo filme de José Padilha desperta o animal que há dentro de nós. Só uma pergunta, de boa: na sua opinião, a existência de um Capitão Nascimento representaria algum tipo de solução para nossas aflições quando o assunto é violência urbana?

Quanto à eleição de Andrés Sanchez para a presidência do nosso Corinthians (digo, desses cinco blogueiros), acredito ser motivo para lamentações. Vale lembrar: Sanchez foi a favor da parceria com a MSI e fazia parte da administração Dualib. Mudou para ficar tudo igual?

Já “In Rainbows”, novo álbum do Radiohead, é motivo de regozijo. Além da brilhante forma de comercialização de seu novo trabalho (pague o quanto quiser!), Thom Yorke e sua trupe apresentam, de novo, um trabalho consistente, pulsante e lindíssimo. Claro que as músicas ainda estão sendo assimiladas por esse blogueiro, mas dá para dizer que as duas libras esterlinas que paguei pelo download do álbum foram muito bem gastas.

Quanto ao acidente rodoviário que matou 27 pessoas e deixou 90 feridos, deixou minhas condolências. Que Deus conforte os que vão e os que ficam.

quarta-feira, outubro 10, 2007

Elio Gaspari

Daniel Boa Nova

Na falta de tempo e disposição para um texto autoral de qualidade, copio aqui um artigo de um dos melhores jornalistas do país, Elio Gaspari. Vi no UOL - imagino que tenha sido publicado na Folha de hoje.

É sobre a polêmica Luciano Huck/Rolex/Ferréz e também sobre o aniversário de morte de Che Guevara.

Muitas questões levantadas, sempre de um modo pertinente. Boa leitura!

O socialismo precisa de um Rolex

ELIO GASPARI

O cidadão terminou suas pesquisas na biblioteca de Londres e vai para casa, no Soho (rua Dean, 23). Passa um sujeito, mostra-lhe uma faca e pede o relógio. Ao narrar o caso à sua mulher, ele diz: "Estou com 41 anos e a expectativa de vida neste inferno capitalista é de 40. A nossa dieta ultrapassa as 2.300 calorias que o proletariado consome. As condições de higiene e saúde desta cidade são infernais. Aos jovens restam poucas alternativas fora da sífilis e das prisões australianas. São as contradições do capitalismo e, por causa delas, fui assaltado por um garoto". Pode ser que Karl Marx tenha dito diferente:"Jenny, um lúmpen roubou meu relógio".

Pobre Luciano Huck. Foi assaltado por dois sujeitos que, de revólver na mão, tomaram-lhe o Rolex. Reclamou num artigo publicado na Folha do dia 1º e teria feito melhor negócio se saísse por aí, cumprindo "missões" em cima de motoqueiros. Foi acusado de ganhar muito e, portanto, ser fonte da violência. Mais: quem manda "pendurar o equivalente a várias casas populares no pulso"? Disse que "isso não está certo" e perguntaram-lhe o que devem dizer as pessoas que vivem de salário mínimo. Fechando o ciclo, num artigo marginal-chique, o rapper Ferréz respondeu com o olhar dos assaltantes e os óculos de Madre Teresa de Calcutá: "Não vejo motivo para reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo para ambas as partes".

Está mais ou menos entendido que o partido democrata perdeu a confiança dos americanos nos anos 80 porque deixou-se confundir com os defensores de bandidos. Cada um pode achar o que quiser (desde que não tome o relógio alheio), mas nesse caminho a discussão da segurança pública brasileira caminha para a formação de duas tropas, ambas julgando-se elite do seja lá o que for. Grita-se, para que tudo continue como está. O filme ensina: o traficante foucaultiano da PUC não foi para a cadeia e o PM larápio e covarde voltou para a tropa.

Por ser um profissional bem-sucedido e ter ganho um Rolex de presente da mulher (a apresentadora Angélica, igualmente bem-sucedida), Huck foi transformado num obelisco da desigualdade social brasileira.

Infelizmente, assaltos não melhoram o índice de Gini. No caso do Rolex do apresentador, especular o destino do dinheiro de sua venda é um exercício carnavalesco. Pode-se sonhar que tenha ido para uma família carente, mas é mais provável que tenha servido para fechar um trato de droga. Que tal as duas coisas, meio a meio? Uma coisa é certa, o Rolex voltará ao pulso de alguém disposto a pagar por ele.

Quis o Padre Eterno que esse debate indigente acontecesse logo na semana do 40º aniversário da execução de Ernesto Che Guevara, o Guerrilheiro Heróico. Se Angélica dissesse que deu o Rolex a Huck como parte dessas celebrações, a discussão ganharia um denso conteúdo ideológico.

Quando o Che foi assassinado, no mato boliviano, tinha dois Rolex. Um, modelo GMT Master, era dele. O outro, marcado com um X, era uma lembrança que tirara do pulso de um combatente agonizante. (O índice de com-Rolex dos guerrilheiros cubanos na Bolívia era de 12%, certamente um dos mais altos do mundo.)

Os relógios eram dois, mas há três por aí. Quem quiser pesquisar a herança de Guevara, pode começar investigando esse mistério.

terça-feira, outubro 09, 2007

Ainda podemos sucumbir, mas não levaremos os 4 anos para o túmulo

Luís Pereira

Sim, o Corinthians continua tendo um time muito fraco. O técnico, apesar de ter me lembrado bons momentos, ainda não é nem de perto o ideal. Uma gestão profissional ainda está longe de se tornar efetiva (O nome do presidente que ocupará o cargo até fevereiro de 2009 sai hoje. A disputa está entre Andrés Sanches, Osmar Stábile e Paulo Garcia). Um estádio ainda é um sonho.

Sim, ainda estamos na zona da degola. Mas, pelo menos uma coisa normalizou: a história entre os confrontos contra o São Paulo. Há quatro anos eles tentam mudar uma máxima inexorável do futebol: o time do Morumbi pode ser o maior do Brasil, mas sempre atrofia frente ao alvinegro do Parque São Jorge.

Não quero irritar os são paulinos. E digo mais, o São Paulo é com todos os méritos o melhor time do Brasil. Mas, convenhamos, quatro anos sem perder do Corinthians é pra lá de esquisito, contando que a quitanda sempre foi do lado de cá.

Agora podem contabilizar dois jogos sem vencer o timão. Saudações!!!

segunda-feira, outubro 08, 2007

Armas, ideais e sangue ....não necessariamente nessa ordem



Sara Puerta

Uma coincidência. Em tempos que um filme (muito bom por sinal) como Tropa de Elite, que tem sangue, balas, morte e truculência para lutar por ideais e por sobrevivência, paralelamente removem uma das tumbas mais lembradas - e pop - da história. A do romântico, revolucionário, estampa de camiseta, bottons, tatuagem sex simbol, o Che Guevara.

Falo da relação de um com o outro, pois a discussão em torno dois assuntos tem sido grande e isolados. Mas há algo que os une: até onde vai um ideal e a vida do outro.
Sobre Tropa de Elite, fica aí a questão em torno da truculência para resolver falha do sistema, e o tal do Capitão Nascimento acredita que a única forma é chegar, chegando. Seja o que for: ele acredita nisso.

Por outro lado, Che Guevara deve estar a ponto de sair puxando pés por aí de noite. Hoje faz 40 anos da sua morte. Nesse mesmo dia, em 1967, ele foi capturado e fuzilado.
Nessas de aniversário da morte, levantam-se novas discussões. A Revista Veja, há uma semana, foi a primeira a disparar, porcamente como sempre, um especial sobre o que significa o mito.
Segundo o tablóide, Che era um porco, à Chuck Norris, que mata qualquer um que passar por ele, e ainda, ditador. Eles tentaram, tentaram...e não conseguiram.

Tirar do Che a imagem de revolucionário romântico é tão difícil como acreditar que a policia tenta fazer um trabalho sério.. E de fato, ver a imagem do guerrilheiro olhando para o horizonte é reconfortante, e leva acreditar que onde ele está estampado não existe uma personalidade acomodada.

Armas aos montes, os dois longes de direitos humanos. Matar, para mim, nunca será bom. Nem em pena de morte para serial killer.
Mas não há revolução, mudança ou o que quer que seja, sem guerra. E aí entra os carudos, que abandonam a fragilidade e dão a cara para bater.

sexta-feira, outubro 05, 2007

=)

João Prado

Em respeito aos meus colegas escribas e aos (poucos, bem poucos) leitores desse blog, não vou forçar a barra e tirar um assunto perdido em meu bloquinho de notas. Sem assunto, sem idéias, meio puto com a correria e a falta dela em algumas situações... mas o post teria que sair hoje (teria?)

Cá este cínico blogueiro está em crise de idéias... mas nada que uma sexta-feira não melhore.

Alias, acho que sexta-feira é bom pra começar a entender as coisas... vou tentar.


Até a próxima!

quinta-feira, outubro 04, 2007

Casamento

Daniel Consani

O casamento começara havia vinte minutos. Chegamos ao local marcado no convite como “Espaço Itália” com o semblante apresentando muito constrangimento e indignação. Mas isso tudo foi logo substituído por gargalhadas tão logo um garoto de não mais que cinco anos acionou um extintor de incêndio em direção ao peito de outra criança que brincava com o primeiro. A cara de susto dos dois guris foi impagável. Muito bem.

Juntamos-nos às centenas de pessoas presentes à cerimônia, imaginando que talvez não notassem que tínhamos chegado atrasados. Mas, logo, um tio notou nossa presença e veio em nossa direção. O semblante de constrangimento morava em nossos rostos de novo.

A banda contratada começa a tocar “One”. Acho curioso. Como pode uma música que trata das dores e das asperezas de um relacionamento amoroso ser tocada durante a celebração da união entre duas pessoas que se amam?

“Is it getting better or do you feel the same? Will it make it easier on you now you got someone to blame?” - “Tem melhorado ou você sente da mesma forma? As coisas ficarão mais fáceis para você, agora que tem a quem culpar?”

Entram as alianças, vêm as juras e o beijo crepuscular. O primeiro beijo como casados.

“We’re one but we’re not the same” - “Somos um, mas não iguais”

Os noivos cumprimentam cada membro da não completada segunda dezena de padrinhos.

“Love is a temple. Love, the higher law” - “O amor é um templo. Amor, a lei suprema”

Encaminhamos-nos para o ambiente onde será servido o almoço. Mas ainda há tempo para ouvir os últimos versos da bela canção.

“And I can't be holding on to what you got when all you got is hurt” - “E eu não posso me agarrar ao que você tem, quando tudo o que possui é dor”

Ótimo almoço. Ótima festa. Que os noivos sejam muitíssimos felizes.

Só que no meu casamento, “One” passará longe.

quarta-feira, outubro 03, 2007

E aí, Maroni pra prefeito?

Daniel Boa Nova

Puta dia lindo e eu aqui enclausurado. Mesmo assim, no meio do fogo cruzado: desviando a cada momento das balas perdidas de “Tropa de Elite”. Tudo porque ainda não o assisti – e, apesar de ter lido o livro, não quero que me contem o final.

Viu, Jonny, não li seu post passado. É, é isso aí.

Que nem outro dia, na locadora, com a dica de um filme imperdível sobre um cara que está preso injustamente. O atendente falou e disse que era “um ótimo filme de mistério; pena que vocês já sabem o final”. Legal, legal.

E o coringão nem pra ajudar. E o Renan segue zombando.

Pelo disco novo do Radiohead eu daria quinzão. Mas se tenho a opção de pagar quanto quero, vou direto pro download. Até porque não porto mais cd player.

A verdade é que, quando não tenho nada de especial para dizer, não digo. Vou ali tomar meu placebo e já volto pra te contar qual é o segredo.

terça-feira, outubro 02, 2007

Uma crônica quase perdida no tempo

Luís Pereira
Definitivamente não conseguimos imaginar quantas e quantas coisas fantásticas são produzidas ao longo do tempo sem que passem por nossas mãos. São verdadeiras obras primas que surgem e se vão sem que pudéssemos ter o deleite de apreciá-las.

Muito do meu gosto pela literatura vem do meu pai, que sempre foi um amante da arte de compor escritos, das prosas e dos versos. Poucos sabem, mas meu pai também é um grande escritor, embora acredito que nem ele ainda tenha, de fato, descoberto isso. O curso da vida - e o indispensável dinheiro - o fez desistir de sua formação (jornalista) para seguir uma trajetória empresarial. Todavia, eu acredito e tenho fé que, assim que ele conseguir a tão sonhada aposentadoria, sua carreira literária há de progredir.

Sei que meu pai já escreveu muita coisa boa que ele nunca publicou, mas não é um texto perdido dele que pretendo ressuscitar hoje aqui no PontoJor, e, sim, uma crônica do Rubem Braga que ele me apresentou.

Depois que montei o coletivo PontoJor com meus amigos, meu pai insistiu muito para eu ler Rubem Braga. Eu já sabia da existência desse notável cronista, mas confesso que ainda não conhecia sua obra. Papai tratou de me presentear com livros do autor e, quando falávamos sobre o assunto, assim ele dizia: “meu filho, leia Rubem Braga, veja a técnica dele de escrever crônicas, eu quero que você pegue a técnica”. (risos)

Eu gostava muito dessa influência e achava muito engraçado o jeito dele falar. Tratei de dissecar os livros que acabara de ganhar e, assim como meu velho, virei um grande fã do Rubem. Mas, entre a sua obra, havia uma crônica em especial que papai sempre comentava e que era impossível de achar em seus livros: Um homem feito de pau.

Meu pai falava que tinha essa crônica em um recorte de jornal guardada em algum lugar da casa. O problema é que ele sempre teve a mania de guardar um monte de coisa. Só para vocês terem uma idéia, ele tem os jornais dos dias em que eu e meus irmãos nascemos. Seria uma tarefa um tanto complicada encontrar esse pedacinho de jornal em meio a tanta parafernalha. Resolvemos apelar para o oráculo pós-moderno, mais conhecido como Google. Procuramos, procuramos e nada! Nem essa quase-divindade da consulta tinha o que procurávamos.

Bom, acabamos, por ora, desistindo. Passado um tempo, papai me chamou, tirou uma caixa velha do armário e, dentro dessa caixa, um recorte de jornal de mais ou menos 20X10 já amarelado, mas ainda em bom estado. Eu, instintivamente, já sabia do que se tratava. E era mesmo a crônica do Rubem Braga, que ele tinha achado num final de semana em que ficou em casa sem muito o que fazer.

E com uma entonação toda interpretativa, papai leu pela primeira vez Um homem feito de pau para mim. Fato que já se repetiu algumas vezes depois desse episódio. A crônica é fantástica! De uma sensibilidade incrível e comovente. É extraordinário como Rubem Braga consegue externar seus sentimentos com tanta criatividade, delicadeza e verossímil propriedade.

Agora tenho o grande prazer de compartilhar essa admirável crônica com vocês e, presunçosamente, ressuscitá-la por meio da esfera digital.


Um homem feito de pau

Rubem Braga

Deu um vento áspero, cheio de poeira e folhas secas; mas depois já de tardinha, a rosa dos ventos girou, e então veio do sul um ar frio e úmido, que fez bem ao nosso focinho; desceu uma chuva mansa.

Mas nesse dia aconteceu muita coisa; e para não pensar, e para não sentir, andei longamente pela rua sob a chuva fina. Eu me sentia como feito de pau; um homem mecânico andando, lentamente andando, andando como qualquer homem andando em qualquer rua. Um homem maciço, sem nenhum espaço dentro dele para coração, memória, nem desespero: todo de pau.

Um homem de pau, de cara de pau, boca de pau, olhos de pau. Podem rir dele, serrá-lo em tábuas, parti-lo em achas de lenha, pintá-lo, queimá-lo, fazer dele mesa, cabide, canoa. Podem fazer dele tudo, menos fazê-lo sofrer.

Ele anda nas ruas neutras, dobra a indiferente esquina, ele caminha sem pressa. Sabe que em alguma parte há um relógio batendo os segundos, inexorável.

Sabe que vai acontecer alguma coisa desesperadamente triste, que ele não pode evitar. Por isso, para não sofrer, ele se fez de pau. Sabe o que vai acontecer; sabe mas não pensa nisso, não sente.

Apenas vagamente, muito vagamente, como um pedaço de pau, com a seiva seca, mas que ainda tivesse uma distante consciência de árvore – muito vagamente sente que a chuva fina lhe faz bem, um inútil bem físico, a umidade. Água. Mas seus olhos estão secos e, por dentro, ele está seco, bruto, morto. Andando na rua, andando.

segunda-feira, outubro 01, 2007

A arte imita a vida e vice-versa

João Carlos Godoy

Hoje é muito comum algum programa humorístico de televisão produzir um quadro ou outro gozando com a imagem de um determinado governante. Esse tipo de ação já é rotina na vida dos telespectadores. Agora, até as novelas resolveram aderir à moda. Na sexta-feira (dia 28), durante a apresentação do último capítulo da novela da Rede Globo, Paraíso Tropical, uma cena muito hilária mostrou a realidade em que se encontra o nosso poder público. A personagem Bebel, estrelada pela atriz Camila Pitanga, depunha com muita “catiguria” para uma fictícia Comissão Parlamentar de Inquérito do Biodiesel. Ora, se não fosse trágico, talvez seria cômico. Por trás de todo o contexto humorístico da cena – que retrata muito bem o cenário político do Brasil – se tiram algumas semelhanças que infelizmente não são meras coincidências. Primeiro: a personagem era questionada sobre um possível caso com “o Senador” que possivelmente estava a sustentando com dinheiro de um usineiro do açúcar. Segundo: ao fundo do cenário, alguns atores figurantes representavam políticos, membros da suposta CPI que bocejavam, conversavam, falavam ao celular, ou seja, representaram muitos membros de muitas CPIs da vida real que não passaram de figurantes. Terceiro: a personagem comemorava em público um convite feito a ela, por uma revista masculina, para pousar nua. Volto a repetir, qualquer semelhança da arte com a vida real é mera coincidência. Sob esses fatos vale a pena citar dois grupos de pessoas de nossa classe social. O primeiro grupo, o qual me incluo, é o grupo do povo, do eleitor. Esse grupo, em relação à cena em questão da telenovela Paraíso Tropical, em relação à arte que imita a vida, resta gargalhar ou lamentar. Gargalhar do humor com que a personagem comemora com muita “catiguria” sua nova posição social. Ou lamentar, sim lamentar pela imagem que ali jaz de nossos governantes. Já o segundo grupo, dos nossos governantes, pelo menos para aqueles que ainda têm um pouco de vergonha, resta chorar. Sim, se ainda houver um pingo de dignidade, chorem. Chorem ministros, deputados, prefeitos, senadores, atuais e ex-presidentes, vereadores e governadores do Brasil. Chorem porque se a arte imita a vida, essa cena da telenovela Paraíso Tropical remete aos senhores e ao País o que virou a política nacional, uma piada. Por fim, aqui fica uma dica. A cena da telenovela em questão falou de uma tal de CPI do Biodiesel. Se daqui a alguns meses, essa CPI do Biodiesel estourar vai ser a primeira vez na história do País que a vida imitará a arte.

(João Carlos Godoy é pai do recém chegado João, jornalista e são paulino)