Sobre chuva, trânsito e um pouco de lucidez
João Prado
Em um dia só choveu mais do que era previsto para o mês inteiro, constatou o metereólogo no rádio. Em janeiro, São Paulo ferve com o calor e não existe mesmo escapatória. A chuva desaba, imunda, suja, limpa... A chuva também revela. A cidade que nunca pára, tem que parar. O trânsito, que fluía lentamente como de costume, parou. Fuja! Vire à próxima direita, saia da Marginal, caia na Berrine, faça o contorno e tente a Espraiada... “... hoje choveu na espraiada...”, canta Negra Li. Esqueça. Não há saída. Se a média de trânsito já é de 83 km, o que são 123 de congestionamento?
No banco de passageiro do carro, em meio a algumas folhas de anotações, uma caixa de bombons, cortesia de uma operadora de celular. Abre e come um, dois, três... Estão quase derretidos. Os vidros estão embaçados e o calor continua. Pensa em uma cerveja, geladíssima. Pensa em uma ducha de água fria, em ler um bom livro, sem grandes pretensões, vencendo naturalmente as páginas e as horas. Mas se dá conta de que não sentirá tão cedo uma cerveja em queda livre na sua garganta e que “Dia de paz”, de Henry Miller, só depois que a CET liberar. Há o carro e ele dentro. Percebe que não existe nem a possibilidade de estacionar o automóvel. Sem espaço para uma manobra.
Uma hora e trinta minutos depois, o mesmo lugar. O mesmo lugar! O celular está com a bateria fraca. Ele o liga, mas o aparelho insiste e desliga. Abre a janela e as gotas da chuva, que já ameniza, molham aos poucos o interior do veículo. Não se importa mais. Acaba percebendo que não é má idéia sentir alguns pingos cair na testa, ensebada de suor. Em um raro momento de lucidez perante aquele caos, abre a porta e, pela primeira vez, abandona o seu veículo. Abandona porque não se importa em deixá-lo ali, com a chave no contato, e dar alguns passos sobre o asfalto molhado. Na verdade, se esqueceu de como chegou até aquela avenida sem saída e para onde mesmo a sua “caranga”, como dizem os que por aqui moram, iria levá-lo.
Olhou para uma mulher que estava há alguns carros na frente – ela já o estava fitando há algum tempo. A moça decidiu também sair do seu veículo e caminhou lentamente até ele. Não haveria possibilidade de se conhecerem depois, eram algumas palavras ali ou nada. Ambos com profissões que não dão margem a demonstrações de afeto. Ela é representante de uma multinacional americana estabelecida no México, hotéis e projeções no PowerPoint são algumas das coisas comuns na sua vida. Ele é jornalista. A chuva pára. Outros motoristas também saem de seus automóveis. Não querem abandonar as suas propriedades. A avenida alagada é o motivo.
Com meio metro de distância, entre ela e ele, a iniciativa é dela:
- Quando chove essa cidade enlouquece a gente. Mas existem coisas que enlouquecem mais aqui.
Ele não responde, apenas sorri. Ao certo esquecerá aquele encontro, daqui uma semana ou menos, mas aqueles poucos minutos foram vividos na plenitude.
Em um dia só choveu mais do que era previsto para o mês inteiro, constatou o metereólogo no rádio. Em janeiro, São Paulo ferve com o calor e não existe mesmo escapatória. A chuva desaba, imunda, suja, limpa... A chuva também revela. A cidade que nunca pára, tem que parar. O trânsito, que fluía lentamente como de costume, parou. Fuja! Vire à próxima direita, saia da Marginal, caia na Berrine, faça o contorno e tente a Espraiada... “... hoje choveu na espraiada...”, canta Negra Li. Esqueça. Não há saída. Se a média de trânsito já é de 83 km, o que são 123 de congestionamento?
No banco de passageiro do carro, em meio a algumas folhas de anotações, uma caixa de bombons, cortesia de uma operadora de celular. Abre e come um, dois, três... Estão quase derretidos. Os vidros estão embaçados e o calor continua. Pensa em uma cerveja, geladíssima. Pensa em uma ducha de água fria, em ler um bom livro, sem grandes pretensões, vencendo naturalmente as páginas e as horas. Mas se dá conta de que não sentirá tão cedo uma cerveja em queda livre na sua garganta e que “Dia de paz”, de Henry Miller, só depois que a CET liberar. Há o carro e ele dentro. Percebe que não existe nem a possibilidade de estacionar o automóvel. Sem espaço para uma manobra.
Uma hora e trinta minutos depois, o mesmo lugar. O mesmo lugar! O celular está com a bateria fraca. Ele o liga, mas o aparelho insiste e desliga. Abre a janela e as gotas da chuva, que já ameniza, molham aos poucos o interior do veículo. Não se importa mais. Acaba percebendo que não é má idéia sentir alguns pingos cair na testa, ensebada de suor. Em um raro momento de lucidez perante aquele caos, abre a porta e, pela primeira vez, abandona o seu veículo. Abandona porque não se importa em deixá-lo ali, com a chave no contato, e dar alguns passos sobre o asfalto molhado. Na verdade, se esqueceu de como chegou até aquela avenida sem saída e para onde mesmo a sua “caranga”, como dizem os que por aqui moram, iria levá-lo.
Olhou para uma mulher que estava há alguns carros na frente – ela já o estava fitando há algum tempo. A moça decidiu também sair do seu veículo e caminhou lentamente até ele. Não haveria possibilidade de se conhecerem depois, eram algumas palavras ali ou nada. Ambos com profissões que não dão margem a demonstrações de afeto. Ela é representante de uma multinacional americana estabelecida no México, hotéis e projeções no PowerPoint são algumas das coisas comuns na sua vida. Ele é jornalista. A chuva pára. Outros motoristas também saem de seus automóveis. Não querem abandonar as suas propriedades. A avenida alagada é o motivo.
Com meio metro de distância, entre ela e ele, a iniciativa é dela:
- Quando chove essa cidade enlouquece a gente. Mas existem coisas que enlouquecem mais aqui.
Ele não responde, apenas sorri. Ao certo esquecerá aquele encontro, daqui uma semana ou menos, mas aqueles poucos minutos foram vividos na plenitude.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home