Ponto Jor

sexta-feira, outubro 19, 2007

Gaudi não, Estevão!



João Prado
Preto, pobre e favelado. Se Estevão Silva da Conceição passasse por uma multidão e fosse notado por alguém, essa seria uma associação simples de ser feita sobre a sua “imagem”. Afinal, Estevão é preto, pobre e favelado. Mas ele também é pai de Estefani e Enrique e marido de Edilene, além de um artista fodão! Morador de Paraisópolis, favela da zona sul de sp, o baiano de Santo Estevão da Bahia transformou e transforma a sua própria casa em uma galeria a céu aberto.

E ninguém, que eu tenha conhecido, tem mais orgulho de sua própria casa do que o Estevão. Claro, foi ele que fez tudo. Para quem olha de fora, uma construção sem precedente na memória. Arcos salpicados de pedras coloridas e todos os tipos de objetos, como xícaras, telefones, relógios parados no tempo, espelhos e mais uma porção de troços. As estruturas complexas da sua “goma” fizeram com que a classe média e alta, que conhecem o seu trabalho, o chamasse de Gaudí da Favela. “Eu não conhecia o trabalho do Gaudí, até as pessoas que vieram visitar a minha casa fazer essa associação entre a minha obra e a dele. Hoje eu sei que ele foi um grande artista”, conta.

Mas se existe semelhanças entre a obra do artista catalão e a de Estevão, houve um episódio que, no mínimo, prova que as histórias dos dois estão ligadas de alguma forma. Em 2001, em uma viagem para Barcelona, Estevão resolveu descansar depois de uma caminhada pelo Parque Güel. Para espreguiçar o corpo, o artista favelado se encostou em uma árvore de casca estranha e logo foi surpreendido. “Estevão! Quem plantou e cultivou essa árvore foi o Gaudí. Você sabia disso?”, perguntou uma das pessoas que o acompanhava. “Estava cansado e só queria almoçar. Quando fiquei sabendo desabei a chorar”, lembra Estevão.

Eu, que nunca fui até Barcelona, fiquei fascinado mesmo pela casa do Estevão. Dentro, uma série de escadas e pequenos corredores levam a um jardim suspendo. O cheiro de arruda perfuma o ambiente e fecha o corpo de toda a família Silva da Conceição. Quem entra na residência desse artista de 50 anos é inevitável sair de lá com muitas perguntas na cabeça... “Isso aqui é a arte do caos”, dá a dica o fotógrafo e brother Daniel Gutierrez. Quer dizer: o caos da vida na obra do artista ganha exatidão e até certa coerência. Tudo está encaixado de maneira minuciosa e os ponteiros parados dos relógios da “Casa de Pedra” já não são tão estranhos assim.

Sabe de uma coisa: pela primeira vez senti inveja da casa de um preto, pobre e favelado.
OBS: as fotos são de Daniel Gutierrez. Mais? no Flickr dele.

2 Comments:

Blogger Luís Pereira said...

O Estevao eh foda mesmo. Chapada essa coincidencia (!?)da arvore! Como pode?

19:39  
Blogger Daniel Consani said...

Que belo post, Johnny...
Do caralho mesmo!
Parabéns.

11:38  

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