Ponto Jor

sexta-feira, agosto 17, 2007

Zildo, menino, maravilha!

João Prado

Quatorze anos de idade, olhos verdes, pele negra e um sorriso desconfiado, mas que não custava a aparecer. Essa era a fisionomia que encarei ao conhecer o Zildo, um menino que vive nas ruas da zona sul de SP, mas que não dorme nas ruas de SP.

Nos conhecemos quando ele apareceu na porta da casa dos meus pais, pedindo alguma coisa (de certo comida, dinheiro ou roupas). A coisa virou um video game que estava esquecido no fundo do armário que eu divida com meus irmãos (era o master system, com Alex Kid na memória). Claro. Os olhos verdes de Zildo se tornaram mais verdes e seu sorriso não foi nem um pouco contido... para mim sobrou a dose de alívio (alívio? Porque mesmo me senti aliviado em dar um video game?).

A partir desse dia, nos encontrávamos para jogar futebol de botão e gastar as horas conversando – qualquer moleque de quebrada, aos 14 anos de idade, pode conversa de igual para igual com um universitário. Zildo tinha muitas histórias interessantes. Começara a trabalhar desde cedo na feira, para ajudar no sustento de sua casa. Pagava as suas e as necessidades da avó-mãe. Impressionante era como o franzino Zildo era bem articulado, falava de política, de futebol, de amor e timidamente de sexo muito bem para a sua idade.

Era o princípio de uma amizade que nascia entre nós dois. O pessoal de casa, principalmente meu pai e minha mãe, adoravam ele. Lembro que o cobrei muito para voltar aos estudos – o moleque havia acabado de largar a escola pela quarta vez, aos 14 anos. "Todos dias mudam os professores e quase sempre a maioria deles faltam", justificava Zildo.

Demos material, demos incentivo... não demos nada. Na mesma ânsia com que Zildo voltou para a escola, ele também abandonou. "Cara, não tenho como conseguir dinheiro todos os dias, se tenho que ficar a manhã toda na escola". Ficava difícil, para mim, cobra-lo pelo que eu não entendia.

Zildo apareceu cada vez menos em casa. Eu cada vez menos o procurei pelas ruas da Santa Catarina, ali perto da Espraiadas.

Acontece que ontem, depois de beber algumas cervejas com os amigos, estava voltando para a casa e resolvi parar para abastecer o carro. Ao sair do possante, dei de cara com o Zildo, ainda de olhos verdes e pele negra, mas agora praticamente do meu tamanho. Cerca de três anos depois da última vez que nos encontramos, Zildo ainda tinha as mesmas características. Foi doce no trato comigo e até nos abraçamos. "Caralho, como você está grande!", era só o que conseguia dizer.

Perguntei sobre a sua vida. Havia avançado poucos anos na escola, estava na sétima série, mas agora trabalhava como ajudante de mecânico em uma oficina. "Gosto de carros", disse ele com uma cara animada. Ele perguntou sobre meus pais e meus sobrinhos, o que me surpreendeu profundamente.

Depois de cinco minutos de conversa, Zildo saiu (ele não era mais um menino, está quase um homem) com seus amigos dentro de um carro. Eu fiquei no posto pensando alguns minutos... pensei nele, em mim, na educação do meu país, na falta dela e mais em um punhado de coisas.

Não consegui concluir nada. Desde então não consegui pensar em mais nada para escrever nesse post.
Me lembro que Zildo me disse uma das frases mais bombásticas que já escutei e me foi direcionada. Certa vez, jogando botão, passava uma matéria na tv sobre se os analfabetos poderiam votar ou não nas eleições. Zildo perguntou a minha opinião, que foi dita sem vacilo: "Acho que os analfabetos não podem votar, porque eles não tem acesso as informações básicas para acompanhar o ‘mundo’ da política".

Olhando nos meus olhos e com cara de poucos amigos, Zildo disparou como o fenômeno em seus melhores momentos fazia em direção ao gol: "Acho que você esta falando merda. Eu trabalho desde os oito anos, sustento a minha avó e a minha mãe, pago minhas contas e sei muito bem o que quero para o meu país. Se for para escrever tudo isso, eu pago um doutorzinho que nem você para escrever para mim".

Zildo me calou. Nunca ninguém foi tão sincero comigo e ao mesmo tempo me ensinou um fundamento tão importante na vida: Ninguém precisa de diploma para entender do que é feita a matéria e a vida.

2 Comments:

Blogger Luís Pereira said...

Muito bom Jony!!! Caralho muleque, que sensibilidade. Acabo de terminar um trampo suado, de quase duas semanas, e tenho a satisfação de ler esse texto. Isso tudo na sexta-feira. Que tesão!

14:45  
Blogger Fê Nogueira said...

Meu!
Sem comentários pra vc...
Seus textos são fodaaaaa!!!
Sério,´tá virando um vício pra mim vir aqui toda sexta só pra ler seus textos.
Tenho muuuito orgulho de vc!

Bjos
Fezinha

19:35  

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