Ponto Jor

sexta-feira, março 30, 2007

Entrevista: Daniel Galera


João Prado
Quinta-feira, 15 de março. Estou na Mercearia São Pedro, na Vila Madalena, no lançamento do trailer do novo filme de Beto Brant, “Cão sem Dono”. (O bar está lotado). O filme é uma adaptação do livro “Até o Dia em que o Cão Morreu” (2002), do escritor gaúcho Daniel Galera.
Passa para frente. Sexta-feira, 23 de março. Galera me recebe em seu apartamento para uma entrevista. O cara já participou de diversos trabalhos interessantes e publica na internet desde metade da década de 90. Entre seus trabalhos: o famoso fanzine Cardoso On-Line, que em uma época (que a internet era menos acessível do que é hoje) contou com cinco mil assinantes. Também já montou uma editora, a Livros do Mal, além de outros projetos.
Engraçado, mas quando saí do prédio dele tive a sensação de que a entrevista poderia ter rolado por mais uma hora, se não fosse os compromissos meu e dele (será que foi um erro marcar entrevista numa sexta à noite?). De qualquer forma, aproveito para recomendar o livro de Galera, que, para mim, é ótimo e me deixou ansioso para ler o seu último publicado, “Mãos de Cavalo” (2006). Não sei dizer o porquê (nem quero), mas a leitura do texto de Galera me casou perfeitamente para emendar com “Os Detetives Selvagens”, de Roberto Bolaño. Eis a entrevista:
Todos os seus projetos foram planejados ou você acabou fazendo todos de “sopetão”?
Nenhum fez parte de algum projeto. Eram coisas que davam vontade de fazer naquela hora. Mais ou menos como as pessoas fazem os fanzines e fazem bandas, entendeu? O cara que monta uma banda com os amigos dificilmente está planejando a carreira dele para daqui dez anos. Às vezes isso se desenvolve e às vezes não. Todos meus trabalhos foram criados com esse espírito. O Cardoso On Line começou com emails que o Cardoso mandava para os amigos durante a greve da Universidade Federal. Quando estava todo mundo coçando o saco, ele resolveu mandar emails com poemas e contos que ele escrevia. Eu comecei a receber esses emails e lia muitas publicações de sites estrangeiros, sobre literatura e resenhas de discos. Quando eu descobri um site que hoje é famoso, que é o Pitchfork, em 1998, foi uma das grandes inspirações para tornar aquela coisa de emalis em uma publicação. Então começamos a colocar contos, crônicas, resenhas de música, o “egotrip”.
Como? Egotrip?
Egotrip eram textos transformando nós mesmos em personagens. Falava-se das festas, dos finais de semana. O termo acabou sumindo, mas na época se falava muito.
E a Livros do Mal?
A Livros do Mal também. Nós tínhamos nossos textos e pensávamos que seria legal publicar em um livro. Nós nem tentamos mandar para uma editora. A vontade de fazer por conta própria foi desde o início. Nunca tivemos um plano (rsrsrrs). Até hoje eu não tenho isso.
“Até o dia em que o Cão Morreu” é um livro com impressões íntimas, mesmo que tenha aquela história de separar o autor da obra. De alguma forma te incomodou, outra pessoa - e nesse caso o Beto Brant - querer contar a mesma história que você criou?
Em certo sentido incomoda um pouco. Mas é um incômodo que eu nunca deixei influenciar nas decisões. É um incômodo que eu julgo natural. Um incômodo que tem um lado ruim e desagradável, mas tem um lado bom e positivo que ultrapassa o pessoal. Então, é um incômodo que não é para ser levado a sério. O que eu quero dizer: que é evidente que uma história que eu fiquei escrevendo e que lapidei todo o texto como eu queria, apesar de se tratar de uma ficção, existem muitas coisas pessoais no livro e, principalmente, que eram especiais para mim naquela época. Ai a idéia de alguém pegar a mesma história, mexer nela e refazer com outra visão, é um pouco perturbadora. Mas isso nunca vai ser motivo para evitar que esse tipo de coisa aconteça. Gosto de adaptações. Inclusive já tive contos meus adaptados para curtas. Mas não vou dizer que não mexe, entendeu? Claro que vendo o filme você acaba pensando: “Pô! O filme está bonito, mas não era bem isso”. Mas acho que isso faz parte do processo. Não é uma coisa que deixo influenciar na minha vida. As boas adaptações são releituras, e nunca uma história vai ser tal qual o livro e conseguir fazer uma narrativa igual. Desse jeito o filme vai ser uma merda.

Você gostou do resultado final?
Eu estava preparado para ver uma coisa completamente diferente do livro. Quando fui assistir, eu percebi que ele estava muito mais fiel do que eu imaginava. Apesar de muitas mudanças, na essência, ele está fiel. Mas o filme é uma obra nova. Tem a visão dos diretores e também a dos atores.
É verdade essa lenda de que todo escritor é vaidoso? Do tipo, ficar irritado quando lê uma crítica que falou bosta sobre seu livro? Você é assim?
Hum. Eu não sou muito, só um pouco. A essa altura, já com três livros, eu já me acostumei com isso. Não só dos críticos, mas as interpretações dos leitores são muito diferentes da intenção do escritor. Isso faz parte. Achar que as pessoas vão deduzir justamente o que você queria é uma ilusão tremenda. Às vezes isso acontece e é muito satisfatório, mas nem sempre. Eu não me incomodo com isso. O engraçado é que às vezes o elogio é mais equivocado do que a crítica. O cara pode dizer que seu livro é uma merda, porque ele quis dizer tal coisa, e ele realmente quis dizer a tal coisa. Ou chega um cara que diz que adorou o seu livro porque ele diz tal coisa, e você pensa: ‘Eu jamais quis dizer isso! É um absurdo’. Então, isso às vezes incomoda mais do que uma pessoa que está criticando o seu livro por uma coisa que você reconhece que está nele. Eu acho isso parte integrante do processo de escrever. Só escrever não serve.
É um processo que vai além do livro?
É escrever e levar o que você escreveu para as pessoas de alguma forma. Depois das interpretações das pessoas, isso volta para ti e a maneira que você vai receber isso continua sendo um desenvolvimento do ato de escrever. Então é um processo (de escrever) que nunca termina.
Ainda em relação às críticas. Existe parte da imprensa que insiste em pregar rótulos. Do tipo: o escritor que “saiu da internet”. Você acha que esses rótulos fazem parte de uma época em que as pessoas querem definir as coisas - em um momento em que as coisas não estão bem definidas?

Eu acho que o que a imprensa cultural escreve também são mercadorias. Além de fazer a crítica e de informar os leitores, eles querem vender. E facilita muito na hora de apresentar as coisas tu categorizar elas. É que nem tu criar a cerveja sem álcool, sabe? É uma categoria. É muito mais fácil tu apresentar um escritor dizendo que esse cara, antes de qualquer coisa, é um cara da geração 90, que ele é saído da internet, que os outros escritores da internet são x, y e z, e eles têm esses temas em comum. Isso faz parte do jogo e é ruim quando tudo fica limitado a isso. Mas o rótulo sempre existiu e sempre foi um caminho mais fácil. Basicamente, a pessoa que fica presa a algum rótulo faz um texto ruim.
O personagem central de “Até o dia em que o Cão Morreu” passa o dia sem fazer nada. Ele é um perfeito vagal. Mas, ao mesmo tempo, ele é complexo, inteligente e parece processar as coisas de uma forma peculiar. O personagem é reflexo do tempo em que ele vive ou das escolhas que ele fez?
Eu acho que ele é reflexo do tempo em que ele vive, mas não como um todo. Eu acho que ele é um tipo de pessoa, entre muitas outras, que existe nesse tempo. O personagem é um vagal, como tu falou, mas um vagal intelectualmente convicto de que vale a pena ser um vagal. Essa é a ambigüidade da coisa. Claro que eu acho que isso é uma visão em que muitas pessoas chegam em um determinado momento, mas que essa visão não se sustenta. Pensando como o personagem, você não vai fazer muita coisa e nem vai durar tanto tempo. Mas existem muitas pessoas que pensam dessa maneira - e não sei se estão certas ou não. O livro é muito sobre isso: sobre um cara que acha que a apatia é um caminho valido, mas quando acontecem coisas na vida dele, ele acaba questionando essa situação. No final do livro, não quis interferir na escolha do personagem e nem na imaginação dos leitores.

3 Comments:

Blogger Daniel Boa Nova said...

Filho da mãe!

Fez uma entrevista do caralho, mas falta revisão nessa porra!!!

Eu não conhecia o Daniel Galera até ouvir falar dele recentemente, no jornal. Agora vc vai ter que me emprestar o livro!


PS: assim que aliviar aqui reviso, ok? ab

10:58  
Blogger Sara Puerta said...

Boa entrevista! Boa escolha! Bons insights

11:12  
Anonymous Anônimo said...

Boas questões !

Ainda mais pra quem se interessa em escrever...

Na medida certa para este blog.

Valeu, Jony !

Abraço !

10:33  

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