Ponto Jor

quinta-feira, setembro 06, 2007

Ritos e rótulos

Daniel Consani

Pensar em como, muitas vezes, levamos a vida sem atentar para as riquezas escondidas no nosso cotidiano é algo que me intriga muito. O gosto pela rotina é o apreço pela acomodação, penso eu. Afinal, há algo tão preguiçoso quanto criar rótulos e ritos? Pensemos: quão vazio e inútil é falar que alguém tem “personalidade forte”? Quão patético é autodenominar-se uma pessoa “autêntica” e “espontânea”, que “não leva desaforo para casa”? Quão castradoras são expressões como “indie”, “patricinha” ou “noveleiro”?

O fato é que adoramos classificar. Num mundo que valoriza métodos e formas em detrimento de fins e conteúdo (e isso não é, necessariamente, uma crítica), é bastante natural que busquemos ordenar coisas e pessoas dentro de certas nomenclaturas. Isso leva, é claro, a “personização” de coisas (você já atribuiu um nome carinhoso a um carro, a uma guitarra ou a qualquer outro objeto?), bem como a “coisificação” de pessoas (punks, hippies, emos etc).

Brilhantemente antecipado por Aldous Huxley e, em parte, aprofundado por Orwell, esse conceito acaba por desempenhar um papel de extrema importância no mundo atual. Para se ter idéia, chegamos a sentir certo incômodo quando não conseguimos achar termos para classificar algo ou alguém. “Já leu Jorge Luis Borges?” – “Não. Em que tipo de literatura ele se enquadra?” – “É algo de cientificismo, horror, realismo, literatura fantástica... sei lá.”.

Sairia algo assim, acho.

Nessa esteira, é absolutamente difícil não se sentir incomodado com as limitações que esses rótulos trazem para o desenvolvimento intelectual das pessoas. No âmbito da política, por exemplo, é lamentável que tenhamos debates acerca de termos insuficientes para representar a real complexidade do tema. “Direita”, “esquerda”, “liberais” e “conservadores” acabam por representar conceitos tão idiotas quanto “rock”, “pop”, “cult” ou “erudito” para a música. Quem ousaria encaixar o PT, o PDT, Gordon Brown e Hillary Clinton em um dos termos políticos acima? Como negar que a indústria cultural fez com que a sexta de Beethoven virasse pop? Já ouviu dizer que o rock adolescente de “A hard day’s night” dos Beatles virou cult?

A miscelânea parece ficar cada vez maior e não menos interessante. Afinal, adoro pensar que Shakespeare fazia teatro para o populacho e hoje é visto como um deus da literatura britânica.

Coisas.

3 Comments:

Blogger Luís Pereira said...

Puta Consani, vc é foda!!!! Muito loco.

13:02  
Anonymous Anônimo said...

Concordo com o Luís e ainda digo: é tudo aquilo q falamos durante o almoço!

15:04  
Blogger João Prado said...

eu falo... mano consani não gasta bala atoa!

Sobre rótulos, creio, brother Consani, que são usados pq dão a sensação de "conhecimento" para as pessoas. Tipo, vc não entende nada daquele troço, mas o classifica pra não se sentir "burro". Eu mesmo, me classifico um PHD fraudário em varios assuntos... Não sei de nada e opino sobre tudo. Mais ou menos assim, posso eu ser um rótulo ambulante?

abraço e bom feriado pra todos.

OBS: Não vou escrever meu texto nesta sexta, pois estarei comeorando a independência do Brasil!

18:08  

Postar um comentário

<< Home