Ponto Jor

terça-feira, setembro 04, 2007

Mano negro clandestino

Luís Pereira

Fazia um bom tempo que eu não ía ao estádio ver o meu Corinthians jogar. Também pudera, além da fase medíocre, da última vez que havia comparecido tive a minha carteira furtada por um gatuno qualquer, que aproveitara da minha situação desfavorável – estava acompanhado da minha noiva, portanto, na hora da entrada, no meio muvuca, a preocupação era mais com ela do que com o bolso.

Bom, enfim, nesse jogo, que foi o último clássico contra o Palmeiras, fiquei sem a carteira, sem o ingresso – que estava dentro da carteira – e sem entrar no jogo, que dos males talvez tenha sido o menor, depois da fatídica derrota.

Naturalmente fiquei um tempo bodeado de estádio, mas, depois de uma pequena insistência de um grande bróder corinthiano, resolvi voltar contra o Santos. Feliz decisão: domingo de sol, Pacaembu tranquilo e um Corinthians surpreendentemente vencedor. Tão surpreendente que no momento do primeiro gol – aliás um golaço do Nilton – demorou uns dois segundos para cair a ficha da torcida e o grito ser ecoado.

Entretanto, o que mais me intrigou, mais uma vez, foi um fato que ocorreu antes do jogo. Como de praxe, chegando ao estádio é hora de tomar aquela cervejinha. No piscinão logo ouvi: “gelada, gelada”? Quando me virei, vi um negão, bem preto mesmo, alto e magro, com um sotaque diferente. Ele estava sentado com um isopor entre as pernas, cheio de cerveja e gelo. Perguntei: quanto é? “Dois reais”, respondeu ele. Perfeito, paguei, peguei minha breja e sentei ao lado dele. Curioso com aquela situação, lancei:

E aí mano, é de onde?

Sou de Gana.

Legal! Como você veio parar aqui?

De navio, clandestino.

Atitude mano! Tá conseguindo se virar bem?

Aqui pelo menos eu consigo fazer isso. Lá é mais difícil.

Tá aí há quanto tempo?

4 anos.

Mais uns cinco minutos de conversa fiada sobre futebol e resolvi sair andando:

Falou Gana, boa sorte aí.

Valeu!

Fomos, eu e meu bróder, almoçar o famoso mezzo calabra mezzo pernil antes do jogo. Paramos na barraquinha de um tiozinho que preparou dois no capricho de sempre. Tomamos mais umas duas geladas e resolvemos entrar no estádio. No caminho econtramos o Gana de novo, mas dessa vez desolado e sem o seu isopor.

Qual foi Gana, o que aconteceu?

Os caras da prefeitura me tomaram.

Foda hein mano!!!

E com um dos olhares mais vazios que já presenciei na minha vida, olhando para frente, Gana falou:

Já tinha pouco, agora não tenho nada.

Como um baque, naquele momento nada tive para falar. Assim como o seu olhar, também fiquei vazio, mudo e me senti um nada. Apenas permaneci ao seu lado por alguns minutos. O jogo estava para começar e, mais uma vez, parti desejando boa sorte para ele, ainda sem saber o que devia ter falado.

Quando, aparentemente, voltei do baque, imaginei aquela vida como se fosse um filme, daqueles que só passam dentro da mente, e passei a indagar:

- a pessoa nasce num lugar fudido e, sem opção, vai tentar a vida em outro lugar fudido. Ainda existe motivação?

- Apesar de formarmos um lugar de pobres e fudidos, não devíamos nos orgulhar de ser um país de todas as raças e receber mais um necessitado como nosso legítimo irmão?

- o que a prefeitura ganha com isso? Mais um ladrão?

3 Comments:

Blogger Sara Puerta said...

Eu sei que é esse cara! ele fica perto da banca?

09:48  
Blogger João Prado said...

Libera a cerveja no estádio!!!

Que história desse cara hein osama!

13:20  
Blogger Luís Pereira said...

Fica Sarinha !!! Se pá estamos falando do mesmo.

13:03  

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