Ponto Jor

quinta-feira, junho 07, 2007

RCTV, Venezuela e o poder da mídia

Daniel Consani

Em meu texto da última quinta-feira, 31 de maio, abordei a não renovação da concessão da Rede Caracas Television (RCTV) por parte do governo venezuelano. Expressei com veemente pesar a minha decepção com tal atitude de Hugo Chávez. Mas não deixei de dizer, também, embora nos comentários, o quão sórdida e repugnante era (e é, pois ainda opera via satélite) a já citada rede de televisão.

Retomo o assunto hoje para falar da CartaCapital dessa semana (número 447, de 6 de junho de 2007). Com a capa estampando recortes de letras impressas com a frase “A mídia faz política”, a revista faz um contundente relato da intervenção da chamada “grande imprensa” nas grandes decisões mundiais. Os quatro ganchos para a série de reportagens sobre o tema são: o constante clima de escândalo que a mídia impõe a casos impropriamente misturados como o da Operação Navalha e das denúncias contra Renan Calheiros; a vitória de Sarkozy nas eleições presidenciais francesas com ajuda dos meios de comunicação; a assimilação do aparato de propaganda do governo Bush por parte da imprensa estadunidense; e, claro, o entrave Chávez X RCTV.

Na excelente matéria “Nem Estado nem mercado”, de Antonio Luiz M. C. Costa, CartaCapital reflete sobre toda a cadeia de fatos que culminaram na não renovação da concessão da emissora. Como sempre, a revista chefiada por Mino Carta faz do exercício da crítica o seu maior trunfo. “Mas é errado tratar Chávez como a primeira e única ameaça à liberdade da Venezuela. Ameaça muito maior foi a própria mídia, durante o golpe de 2002”, ressalta o texto, que cita ainda o ensaio do pensador alemão Jürgen Habermas, publicado no caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo em 27 de maio, no qual ele defende a intervenção e participação do Estado na imprensa escrita. “Quando se trata de gás, eletricidade ou água, o Estado tem a obrigação de prover as necessidades energéticas da população. Por que não deveria prover essa outra espécie de ‘energia’, sem a qual o próprio estado democrático pode acabar avariado?”, coloca Habermas.

É verdade, porém, que a revista é excessivamente entusiasta do governo Lula. Pelo menos para o meu gosto. Mas nem por isso, deixa de investir numa profunda reflexão sobre a indevida e indecente influência da mídia no mundo contemporâneo, em que o mercado financeiro é absoluto. Há, por exemplo, um relato interessantíssimo de Patrick McElwee, da ONG estadunidense Just Foreign Policy: “O caso da RCTV não é de censura de opinião política. Um governo, por meio de um processo falho, deixou de renovar a concessão de uma empresa que não a teria conseguido em outras democracias, inclusive os Estados Unidos. De fato é espantoso, francamente, que essa companhia tenha tido permissão de transmitir por cinco anos após o golpe e que o governo Chávez tenha esperado pelo fim da licença para lhe tirar a permissão de usar o espectro público”.

O ponto central da matéria é facilmente detectável: jornalismo indecente, irresponsável e mentiroso, como o que praticava a RCTV, deve ser banido. Trata-se de uma linha de raciocínio merecedora de aplausos, mas questionável, já que a concessão televisiva é, por direito, pública, e dois terços do povo venezuelano se postou contra a não renovação.

Continuo achando que Chávez agiu mal. Deveria ter renovado a concessão. Mas que CartaCapital elevou esse debate a um patamar altíssimo, eu não duvido.

Palmas para Mino e sua equipe.