Ponto Jor

quarta-feira, abril 04, 2007

The Evens e o show de civilidade


Daniel Boa Nova

Alguém que domina seu instrumento de uma maneira muito própria. No caso, falo de uma guitarra. Barítona. Sem qualquer distorção, apenas uns poucos efeitos e uma muito bem executada bateria acompanhando, era o mínimo necessário para rechear confortavelmente os cerca de 200 pares de ouvidos presentes. Entre eles, fãs de hardcore e punk rock, alunos da USP, alguns manos locais e uns perdidos tipo eu. Todos reunidos no Centro Cultural da Juventude, atrás do Terminal Cachoeirinha, em pleno Dia da Mentira. Em turnê pela América do Sul, a banda se apresentara no SESC V. Mariana na mesma semana.

Ian Mackaye é o nome do sujeito. À frente do Minor Threat, foi um dos responsáveis pelo surgimento do hardcore. Estamos falando de Washington DC, início dos anos 80. Ali, sem querer, lançou o estopim de uma cultura denominada straight-edge – ao cantar a plenos pulmões seu estilo de vida livre de vícios em uma música com esse nome. Da parte dele, nunca foi uma apologia e sim um desabafo, mas muitos transformaram em dogma.

Imagem e semelhança do “faça você mesmo”, desde cedo Ian Mackaye teve seu próprio selo, a Dischord Records. Por lá os discos dele e de bandas do seu conceito saíam com preço sugerido impresso na capa: algo em torno de 8 dólares. Seus shows também sempre tiveram valor máximo afixado para a entrada. Atitude mais punk do que qualquer moicano ensebado.

Foi pela Dischord que veio à luz o mais significativo de seus outros projetos, denominado Fugazi. Antes dele, Ian Mackaye também se envolveu em um tal Embrace que, de acordo com o que me foi dito, é o “pai involuntário do emo”. Só que eu não gosto de emo.

O Fugazi esteve na ativa de 87 a 2002, mantendo os mesmos princípios filosóficos. Você nunca assistiu a um clipe do Fugazi porque eles simplesmente não fizeram: sempre se recusaram a aparecer na grande mídia e ainda assim venderam milhões. Lançaram 8 discos, algumas compilações e passaram pelo Brasil em duas ocasiões: 94 e 97. Não estive em nenhuma das duas, mas não é por arrependimento que vou dessa pra uma melhor.

Era necessário falar tudo isso para poder chegar ao The Evens, a atual banda de Ian Mackaye. E foi por pedir em voz alta algo desse antigo repertório no show de domingo que um espectador tomou um bem humorado corretivo. Afinal de contas, estamos em 2007 e, se alguma banda vai mudar o mundo, essa banda existe hoje e não no passado. Nada mais lógico (e o público foi ao delírio).

Ainda não tinham tocado sequer um acorde e pediram para que todos se sentassem no chão. Uma exigência civilizada em se tratando de uma dupla que tocaria sentada sobre um palco que media meio metro de altura. Agora todos assistiam. O show começa e quem cresce em cena é a outra metade da banda, a baterista Amy Farina. Magérrima e meio hiponga, a esposa de Ian Mackaye toca uma batera de dar inveja. Tem um estilo muito próprio e sabe como inserir alguns efeitos sonoros em seu aparato. Fora os momentos em que assume o vocal, que são vários e bem-vindos. Um quê de PJ Harvey, mas com muita personalidade.

Luzes acesas todo o tempo, nenhum efeito visual. Não tenho como citar faixas por nome; foi o primeiro contato que tive com o repertório. Digamos que foi algo intenso. Melódico, mas pesado. Algo do Fugazi estava ali, mas não tudo. De fato, punk-folk seria o rótulo mais indicado, só que isso nem de longe resume o conceito sonoro apresentado - agradável tanto para fãs antigos do sujeito quanto para gente que nunca ouviu falar de quem se trata. Em algumas faixas, o convite ao público para que cantasse em coro; bem bacana. Creio que o mais indicado pra conferir é fuçar no YouTube mesmo. Aqui e aqui você tem uma idéia.

Entre uma faixa e outra, mensagens de cunho político faladas em um inglês pausado, que a maioria entendeu. Contra Bush, a polícia e os governos em geral, mas sem soar panfletário ou partidário - por incrível que pareça, Kassab e Serra estiveram no local no mesmo dia, um pouco mais cedo. Em um dos últimos intervalos, o diferencial: um agradecimento a quem correra atrás das músicas da dupla, ainda que via download ilegal. Algo que ele explica bem o porquê nesta ótima entrevista. Vale a pena conferir.
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O show de abertura ficou por conta dos fellas do Ordinaria Hit. Em constante aprofundamento de sua sonorização da angústia, contam agora com um saxofonista na formação. Que caiu muito bem: acrescentou dissonâncias às texturas sombrias de baixo e violoncelo da banda. Muito bom, porém curto. Os caras agora vão sair em turnê pela Argentina. Cool!!

4 Comments:

Blogger Etil said...

Excelente! O povinho da Ilustrada deveria aprender a opinar dando informações corretas e precisas assim...

10:52  
Blogger Daniel Boa Nova said...

Eu tenho fontes, cara!
=]

11:07  
Blogger João Prado said...

Sua fonte é de água limpa? bela cobertura, cinza!

14:42  
Blogger Luís Pereira said...

Nossa, to na mó corris ... Quase sem tempo de entrar aqui. Muito legal Xarlis!

Abraço

19:36  

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