Ponto Jor

sexta-feira, julho 20, 2007

Fatos, perdas e culpados




João Prado
Caros poucos leitores. Primeiro vou confessar uma coisa: nunca foi tão difícil escrever algumas linhas. Escrever para mim é uma necessidade. Primeiro pessoal e depois profissional. Mas estar na cena do acidente com o Airbus da TAM, cobrindo a tragédia para revista na qual atualmente trabalho, me fez pensar que às vezes o melhor é entregar os pontos no texto.
Estive no local do “acidente” desde terça-feira. Voltei na quarta e na quinta. Entrevistei pilotos, bombeiros, militares, parentes das vítimas e simples passageiros que estavam nas filas em frente aos balcões das empresas aéreas – todos aparentemente conformados, apesar de saberem que ali, logo do lado, estavam sendo retirados cerca de 200 corpos.
Tinha um post pronto para hoje. A história de uma mulher que morreu e deixou família, amigos e namorado (haviam acabado de comprar um apartamento e iriam se mudar em poucos dias). Uma história comum e comovente como a de uma pessoa comum e comovente – ainda mais elevada ao peso do desastre.
Mas eu e minha consciência resolvemos combinar: se não contar a história de todas as pessoas envolvidas, não é justo e não é certo. Todos ali, pessoas-humanos-simples-e-defeituosos, merecem a lembrança, a menção de suas histórias que muitas vezes não valeria merda nenhuma para ninguém. Pecaram, odiaram, amaram, viveram e tiveram suas vidas arrancadas. A mulher que morreu e deixou o namorado talvez vire um personagem de algum livro que eu escreva. Talvez ela não morra no final ou morra de maneira mais digna na história.
Não! Não era o destino daqueles passageiros estarem lá e não era destino morrerem carbonizados. Nessas horas, Deus que se foda.
Reparar os erros e apontar as falhas e seus autores não é vingança e sim justiça. Infraero culpada, TAM culpada, Aeronáutica culpada e, principalmente, o governo culpado. Alias, o governo, em todas as suas esferas, culpado pela omissão e crime seguido de morte. No caso do “acidente” (vou parar de usar essa palavra), a diferença foi que mataram 200 pessoas de uma vez só. São milhares e centenas de outras mortes que acontecem durante todos os anos nas favelas e nas estradas do Brasil.
Além do que já foi publicado na imprensa, trago o olfato ainda impregnado pelo cheiro forte da fumaça que saia do prédio da TAM. Só. Meus relatórios foram entregues na redação. Talvez publiquem ou talvez não. Não me importa.
O que importa é saber que as autoridades e governo tinham informações suficientes para saberem dos riscos de pousos em Congonhas. Ali tem lobby de companhia aérea para liberar pista, uma Infraero incompetente e cheia de aproveitadores no comando, uma aeronáutica que não entende nada de transportar humanos em aviões e um governo que há 20 anos é a tradução real do que se entende por crime organizado.
Fica a indignação e a promessa de que lá em Congonhas, até que seja efetivamente resolvido o problema, eu não desço de avião nem que me paguem.
(as fotos acima estão escuras por falta de um flash ideal. Foda-se)

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Como diria o doc de Marcelo Massagao (Nós q aqui estamos, por vós esperamos), quando morre alguém morre não só um corpo, mas alguém que gostava de passear no parque, que gostava de comer sanduíches, que queria ter filhos...

É assim: 200 histórias interrompidas de uma só vez.

08:40  
Blogger Luís Pereira said...

Mano, eu tava esperando pela sexta porque sabia que vinha um relato carregado de emoção de alguém que conheço e estava ali, nas agruras da fatalidade, no pós revés da vida. Foda mano!!!

10:04  
Anonymous Anônimo said...

Mandou bem, Jonny, como sempre.
Ontem passei lá na frente. Já não tinha avião, nem fumaça. Mas pude sentir a energia pesada, que, infelizmente, deve continuar por um bom tempo...
Beijos

12:48  
Anonymous Anônimo said...

oi João, é a Soraya irmã do Rafael que namorava a Mara Aline.
Só hoje tive coragem de buscar algumas informações na internet e fiz questão de buscar seu blog, pois você e o Fran foram sensacionais, além de sensíveis e incrivelmente amigos.
Se sua idéia de fazer um livro da vida da Mara for para frente, tenho certeza que irá fazer muito sucesso, pois a vida daquela guria foi sem dúvida um livro cheio de emoções, dúvidas, alegrias além de muita intensidade.
Saiba que ajudaremos você nessa tarefa.
Li seu texto com os olhos mareados e a garganta segurando um choro, aliás chorar é só o que temos feito ultimamente, pois o acidente acontece, as sujeiras são jogadas para debaixo do tapete, é achado um culpado, e as pessoas são esquecidas, e essas 200 pessoas como as outras cento e tantas da GOL não devem ser esquecidas jamais.
um beijo grande e obrigada pelo carinho

18:49  

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