Fatos, perdas e culpados



Caros poucos leitores. Primeiro vou confessar uma coisa: nunca foi tão difícil escrever algumas linhas. Escrever para mim é uma necessidade. Primeiro pessoal e depois profissional. Mas estar na cena do acidente com o Airbus da TAM, cobrindo a tragédia para revista na qual atualmente trabalho, me fez pensar que às vezes o melhor é entregar os pontos no texto.
Estive no local do “acidente” desde terça-feira. Voltei na quarta e na quinta. Entrevistei pilotos, bombeiros, militares, parentes das vítimas e simples passageiros que estavam nas filas em frente aos balcões das empresas aéreas – todos aparentemente conformados, apesar de saberem que ali, logo do lado, estavam sendo retirados cerca de 200 corpos.
Tinha um post pronto para hoje. A história de uma mulher que morreu e deixou família, amigos e namorado (haviam acabado de comprar um apartamento e iriam se mudar em poucos dias). Uma história comum e comovente como a de uma pessoa comum e comovente – ainda mais elevada ao peso do desastre.
Mas eu e minha consciência resolvemos combinar: se não contar a história de todas as pessoas envolvidas, não é justo e não é certo. Todos ali, pessoas-humanos-simples-e-defeituosos, merecem a lembrança, a menção de suas histórias que muitas vezes não valeria merda nenhuma para ninguém. Pecaram, odiaram, amaram, viveram e tiveram suas vidas arrancadas. A mulher que morreu e deixou o namorado talvez vire um personagem de algum livro que eu escreva. Talvez ela não morra no final ou morra de maneira mais digna na história.
Não! Não era o destino daqueles passageiros estarem lá e não era destino morrerem carbonizados. Nessas horas, Deus que se foda.
Reparar os erros e apontar as falhas e seus autores não é vingança e sim justiça. Infraero culpada, TAM culpada, Aeronáutica culpada e, principalmente, o governo culpado. Alias, o governo, em todas as suas esferas, culpado pela omissão e crime seguido de morte. No caso do “acidente” (vou parar de usar essa palavra), a diferença foi que mataram 200 pessoas de uma vez só. São milhares e centenas de outras mortes que acontecem durante todos os anos nas favelas e nas estradas do Brasil.
Além do que já foi publicado na imprensa, trago o olfato ainda impregnado pelo cheiro forte da fumaça que saia do prédio da TAM. Só. Meus relatórios foram entregues na redação. Talvez publiquem ou talvez não. Não me importa.
O que importa é saber que as autoridades e governo tinham informações suficientes para saberem dos riscos de pousos em Congonhas. Ali tem lobby de companhia aérea para liberar pista, uma Infraero incompetente e cheia de aproveitadores no comando, uma aeronáutica que não entende nada de transportar humanos em aviões e um governo que há 20 anos é a tradução real do que se entende por crime organizado.
Fica a indignação e a promessa de que lá em Congonhas, até que seja efetivamente resolvido o problema, eu não desço de avião nem que me paguem.
(as fotos acima estão escuras por falta de um flash ideal. Foda-se)
4 Comments:
Como diria o doc de Marcelo Massagao (Nós q aqui estamos, por vós esperamos), quando morre alguém morre não só um corpo, mas alguém que gostava de passear no parque, que gostava de comer sanduíches, que queria ter filhos...
É assim: 200 histórias interrompidas de uma só vez.
Mano, eu tava esperando pela sexta porque sabia que vinha um relato carregado de emoção de alguém que conheço e estava ali, nas agruras da fatalidade, no pós revés da vida. Foda mano!!!
Mandou bem, Jonny, como sempre.
Ontem passei lá na frente. Já não tinha avião, nem fumaça. Mas pude sentir a energia pesada, que, infelizmente, deve continuar por um bom tempo...
Beijos
oi João, é a Soraya irmã do Rafael que namorava a Mara Aline.
Só hoje tive coragem de buscar algumas informações na internet e fiz questão de buscar seu blog, pois você e o Fran foram sensacionais, além de sensíveis e incrivelmente amigos.
Se sua idéia de fazer um livro da vida da Mara for para frente, tenho certeza que irá fazer muito sucesso, pois a vida daquela guria foi sem dúvida um livro cheio de emoções, dúvidas, alegrias além de muita intensidade.
Saiba que ajudaremos você nessa tarefa.
Li seu texto com os olhos mareados e a garganta segurando um choro, aliás chorar é só o que temos feito ultimamente, pois o acidente acontece, as sujeiras são jogadas para debaixo do tapete, é achado um culpado, e as pessoas são esquecidas, e essas 200 pessoas como as outras cento e tantas da GOL não devem ser esquecidas jamais.
um beijo grande e obrigada pelo carinho
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