Ponto Jor

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Entrevista: Juca Kfouri

Daniel Consani

O ventilador girava, mas parecia também ser vítima do calor extenuante. Estava na sala de espera do prédio da Rádio CBN. Passei as mãos pelas têmporas. Estavam molhadas. Saquei da bolsa um bloco de papel e uma caneta e comecei a revisar as perguntas que faria para Juca Kfouri. Tinha as mãos frias.

Crescera acostumado a ver e ouvir Juca, sempre com os cabelos empertigáveis e o tom de voz teso, no programa Cartão Verde, da TV Cultura. Tinha-o como exemplo de bom jornalista, aquilo no qual eu gostaria de me transformar um dia. E ainda o tenho como bom exemplo, que fique claro.

Passados oito minutos, Juca apareceu. Calças cáqui, camisa branca, chaves de seu automóvel em mãos. Alguns fios de cabelos nem tão empertigáveis. “Olá. Você é o Daniel? Vamos subir?”. Um grunhido qualquer foi o que consegui pronunciar.

Fomos para uma sala no segundo andar e começamos a entrevista (que acabaria naquela mesma sala, depois de passar por dois estúdios onde Juca apresentou o tradicional programa esportivo, CBN Esporte Clube). Depois de ligar o gravador, minhas mãos não mais estavam geladas. Senti que havia subido um degrau, e era um jornalista um pouco melhor agora.

Qual é o principal defeito do jornalismo esportivo brasileiro atualmente?

É a promiscuidade. Você não sabe se o jornalista é garoto-propaganda, empresário de atleta ou promotor de evento. Por exemplo, como é que eu posso cobrir com isenção um evento que eu mesmo promovo? Como posso fazer propaganda da cerveja que patrocina a CBF e ser crítico em relação à CBF? Eu sou empresário do atleta e dou nota para ele no jornal do dia seguinte. Pode? É muita sacanagem.

Qual o seu posicionamento com relação à influência da publicidade no jornalismo?

Em um mundo capitalista, a publicidade é essencial para qualquer veículo jornalístico. Na verdade, ela é a garantia de independência, porque se não houver publicidade da iniciativa privada, esse veículo vai depender de ajuda do governo. Agora, há que se separar o que é liberdade de imprensa e liberdade de empresa. Estará fazendo mau jornalismo aquele veículo que puser à frente do interesse público, os seus interesses empresariais. O jornalismo carrega uma função inalienável de prestador de serviço público. Agora, publicidade tem espaço determinado e deve se limitar a este espaço.

Quais são os principais problemas inerentes ao fato de um jornalista fazer merchandising?

A única coisa que o jornalista tem para vender é a sua credibilidade. Na hora em que o leitor, o ouvinte, ou o telespectador sabe que aquele testemunhal é pago, ele se permite desconfiar de qualquer outro testemunhal que aquele jornalista venha a fazer. O exemplo é muito simples: como é que eu posso ser colunista econômico e fazer propaganda de um banco? Não será inevitável que, quando você me vir elogiando o banco para o qual eu faço propaganda, você diga: “é claro, ele é garoto-propaganda daquele banco”? À mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.

Mas você acha que o interlocutor não consegue discernir quando aquela figura do jornalista está dando uma informação jornalística ou promovendo uma marca?

Não é que ela não consegue discernir. Acho até que ela discerne, mas não respeita. Vou te dar um exemplo: durante muito tempo elogiei abertamente a parceria Palmeiras/Parmalat. Se você me diz que o leite longa vida Parmalat é o melhor leite do Brasil, como é que poderia apoiar essa parceria sem se constranger? Na nossa profissão a gente já comete erros demais. Erramos todo dia uma barbaridade. Não precisamos de mais isso.

Não existe meio termo?

Não. Sabe por quê? Porque com princípio você não negocia. Isso não é fundamentalismo. Eu nunca fiz nada que ferisse um principio meu. Reitero: cansei de fazer coisas que não eram as que eu achava que devia fazer, mas eram todas elas, coisas que não feriam meus princípios. Eu não torturo alguém para saber onde é que está o meu filho seqüestrado. Eu perco o meu filho. Vai ser a maior dor da minha vida, e eu provavelmente não irei suportar. Mas eu não me animalizo a ponto de fazer um troço desses.

Você já perdeu muitas oportunidades de trabalho em função dessa sua postura sólida?

Tenho refletido muito... Uma coisa que eu não quero, é plantar de mártir, de exemplo a ser seguido. Não é nada disso! Já fiz uma porção de besteiras na vida. Não tenho vergonha de nenhuma delas, mas já errei demais. Mas esse meu jeito e minha postura me fizeram e me fazem muito bem. Eu moro em um apartamento que eu jamais imaginei que pudesse ter, tenho um carro que não pensava que pudesse ter, vou a Europa todo ano com a minha esposa. Ser assim dá certo. Não precisa se prostituir. Não sou milionário, vou ter que trabalhar até morrer, mas e daí? Ah, eu troquei a RedeTV! pela TV Cultura? Troquei 60 por 15? E eu te pergunto: 15 é pouco?

E quanto ao futuro do jornalismo esportivo brasileiro, Juca?

Acredito que vai ser melhor. Vem uma molecada boa por aí. No Lance! tem uma porção de gente boa, na Folha também. Eu acredito que a humanidade evolui. Tenho certeza que, por mais que aparentemente hoje nós olhemos e digamos “perdemos a guerra”, daqui a 10 ou 15 anos essa farra dos camelódromos terá terminado. Os que fizeram terão ficado milionários e estarão rindo. Mas isso vai acabar.

3 Comments:

Blogger Daniel Boa Nova said...

muito boa entrevista!

o Juca é mesmo singular e tem um blog bacana também.


Mandou bem!

15:55  
Anonymous Anônimo said...

Muito boa mesmo!
Só faltou dizer ali que o Corinthians é o melhor do mundo.

00:22  
Anonymous Anônimo said...

Ótima entrevista! Grande Consani. abraço e nos vemos na breja

14:29  

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